28 setembro 2007

Regresso do Quebra-ossos ao Parque Nacional dos Picos de Europa


Com a sua aparência extravagante levada ao extremo nos seus olhos de "fogo", o Quebra-ossos (Gyapetus barbatus) representa uma súmula de dois mundos: o dos águias e o dos abutres.

Percorrer os principais trilhos do Parque Nacional dos Picos da Europa no Norte da Península Ibérica é uma experiência inolvidável: representa conhecer da forma mais próxima um dos locais mais preservados da Europa. Por aqui abundam Lobos-ibéricos (Canis lupus signatus), Águias-reais (Aquila chrysaetos), Grifos (Gyps fulvus), Pica-paus negros (Dryocopus martius), entre outras jóias faunísticas do Velho Continente. Mas para os meios conservacionistas espanhóis, e concretamente asturianos, o bom não é suficiente: buscam a excelência e por isso planeiam o regresso de uma espécie mítica à Cordilheira Cantábrica...
Essa espécie é o Quebra-ossos (Gyapetus barbatus), uma ave gigantesca (a sua envergadura atinge os 3 metros), rara a nível mundial, conhecida pelos seus peculiares hábitos dietéticos: é a única ave osteófaga (que se alimenta predominantemente de ossos) do planeta!
Actualmente a área de distribuição do Quebra-ossos abrange a Cordilheira Pirenaica, os Alpes Orientais (onde foi reintroduzido a partir de exemplares espanhóis no início dos anos 90 do século passado), os Himalaias e alguns maciços montanhosos da África Oriental.
A população dos Pirinéus apresenta uma alta densidade de exemplares e portanto será expectável que dentro de algumas décadas colonize a vizinha Cordilheira Cantábrica, de onde se extinguiram por volta da década de 60. Mas a Fundación para la Conservación del Quebrantahuesos e o organismo Parques Nacionales não querem esperar tanto tempo. Para 2008 está programada a solta de exemplares a partir da população pirenaica em pleno Parque Nacional dos Picos da Europa. E assim talvez dentro de meia dúzia de anos teremos mais um símbolo da Conservação da Natureza mundial, uma das aves mais elegantes e com um ciclo de vida dos mais fascinantes a criar a pouco mais de 200 quilómetros do Norte de Portugal.

22 setembro 2007

Contra as torres eólicas no Parque Natural de Montesinho

Parque Natural de Montesinho:
terra de horizontes longínquos e intocados. Até quando?


O Parque Natural de Montesinho (PNM), uma das mais emblemáticas áreas protegidas portuguesas, encontra-se de momento ameaçado pela instalação de aerogeradores ao longo das suas principais serras.
A instalação do maior parque eólico europeu, proposto pela empresa irlandesa Airtricity com o apoio de autarcas locais, levaria à abertura de acessos de grande envergadura nos locais mais remotos e nobres da área protegida ameaçando os seus principais valores naturais. Afectaria directamente a população de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) mais estável de Portugal, perturbaria o território de caça de pelo menos 3 casais de Águia-real (Aquila chrysaetos) e mais importante ainda destruiria o valor derradeiro do PNM: a sua paisagem, a sua beleza agreste e indomável.
Felizmente a proposta inicial de plano de ordenamento desta área protegida proíbe a instalação de torres eólicas. Henrique Pereira, representante do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB), veio declarar: "Vale a pena ponderar o valor económico de duas alternativas: temos um valor importante que é a ideia de Montesinho, jóia da coroa do país, um sitio como não há outro e essa ideia pode trazer fluxos económicos. Acreditamos que a colocação dos aerogeradores pode destruir esse valor".
Tais afirmações enchem-me de esperança e nesta, como noutras situações, espero que a posição do ICNB prevaleça sobre um modelo de desenvolvimento lesivo de valores naturais únicos. Os técnicos do ambiente que têm a seu cargo o plano de ordenamento do PNM estão de parabéns, assumindo com coragem a atitude que mais serve o futuro do país! Espero agora que este governo lhes faça justiça...

17 setembro 2007

A hora do adeus

Cuco-europeu (Cuculus canorus) fotografado num prado de altitude nas montanhas do Alto Sil, Cordilheira Cantábrica.

Para muitas espécies de aves da nossa fauna esta é hora do adeus, a altura de migração para paragens onde o Inverno é uma recordação vaga e o alimento abunda.
Caminhando num prado de altitude próximo ao Parque Natural de Somiedo, em plena Cordilheira Cantábrica, escutei ao longe o inconfundível canto do Cuco-europeu (Cuculus canorus). A paisagem desarborizada e a ajuda de binóculos permitiu-me localizar o exemplar que emitia a vocalização e assim pude observar o seu voo hesitante, de arbusto em arbusto, à procura de alimento por longos minutos. Apesar de se tratar de uma espécie relativamente comum a sua observação é difícil devido ao mimetismo da penugem. Mas naquele fim de tarde, numa das mais belas e preservadas paisagens naturais ibéricas, pude despedir-me da melhor maneira deste característico visitante estival. Boa viagem até à África subsariana e que em 2008 nos possamos ver novamente...

10 setembro 2007

Sabor: o destino inevitável, próprio de um país sem rumo

Vale do Sabor: reduto de vida selvagem desde tempos imemoriais tem o fim anunciado para os próximos meses!

Há opiniões que não devem ser proferidas a quente. Por isso esperei mais de 1 semana para me pronunciar sobre a decisão final de construção de um aproveitamento hidroeléctrico de grande envergadura no Vale do Sabor.
Querem-nos fazer crer que o melhor para o país é a edificação da barragem do Sabor. Querem-nos fazer crer que esta obra pública vai criar mil postos de trabalho que solucionarão os problemas de regressão demográfica do interior transmontano. O Ministro do Ambiente, Francisco Nunes Correia, quer-nos fazer crer que a construção da albufeira irá "trazer algumas consequências negativas que serão mais do que contrabalançadas pelos aspectos positivos" (SIC).
Pois a mim estes senhores não me convencem. Em Portugal a Conservação da Natureza é o parente pobre das prioridades nacionais. Não é algo que surpreenda quando se sabe que são as sociedades mais evoluídas aquelas que dedicam a maior fatia de recursos para a preservação do Meio Ambiente.
Qualquer país do primeiro mundo há muito tempo que já teria declarado o Vale do Sabor não Paisagem Protegida, não Parque Natural, mas sim Parque Nacional! França 7 tem Parques Nacionais, Espanha 14, Portugal apenas 1! O Sabor é dos raríssimos locais do país que reúne as condições necessárias para receber a classificação máxima em termos de protecção do ambiente. Senão vejamos: a maior população de Águia-real (Aquila chrysaetos) em território exclusivamente português, uma das maiores densidades de Águia-de-Bonneli (Hieraaetus fasciatus) a nível mundial, populações estáveis de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), de Lontra (Lutra lutra) e de Gato-montês (Felis silvestris). E mais: Abrutre-do-egipto (Neophron percnopterus), Cegonha-negra (Ciconia nigra), Grifo (Gyps fulvus) ou Bufo-real (Bubo bubo) todos apresentam neste vale importantes efectivos populacionais. A lista continuaria indefinidamente: os mais extensos e bem conservados azinhais e sobreirais de Trás-os-Montes, um elevado número de endemismos, etc., etc.
Que vão então os portugueses fazer a um dos seus últimos paraísos? Destrui-lo irremediavelmente! Que diz o nosso Ministro do Ambiente, supostamente aquele que deveria colocar os valores naturais à frente dos interesses económicos? Avance-se com a obra... Pois na minha opinião Sr. Ministro não há protocolo de Quioto, não há plano de redução da emissão de gases estufa, que justifique a destruição de 60 quilómetros do mais preservado vale do país quando sabemos que na melhor das expectativas esta barragem só irá produzir 0,6% da energia consumida em Portugal. Democraticamente lhe digo Sr. Ministro que estou cansado da sua subserviência relativamente ao lobby energético. Democraticamente lhe digo Sr. Ministro que lhe falta a coragem necessária para enfrentar interesses instalados em prol do Ambiente que em primeira instância deveria defender...
Termino com uma mensagem para as populações locais: não se iludam com os mil postos de trabalho. Estes serão temporários e a construção da barragem por si só não se traduz em riqueza para os seus afectados. Várias situações de expectativas não cumpridas poderiam ser referidas: Alto Lindoso, Vilarinho das Furnas, Picote, apenas para citar algumas.
Deixo um exemplo do que poderia e deveria ser uma alternativa à albufeira: no Principado das Astúrias (Norte de Espanha) o concelho de Somiedo era uma remota região montanhosa vergada à desertificação... até há 15 anos atrás. Nessa altura a população apoiou a criação de um Parque Natural, foi promovida a protecção do Urso-pardo (Ursus arctos) convertido em emblema dessas serras, surgiram casas de turismo de habitação, restaurantes, lojas de produtos locais, passeios pedestres organizados. Hoje Somiedo está entre os concelhos mais ricos das Astúrias e os ursos aumentaram a sua população. Trata-se de uma riqueza sustentada que perdurará no tempo. Vendem algo que cada vez existe menos: conforto e bem-estar numa paisagem intocada e bravia. Resistiram à tentação das barragens, da energia eólica, das estações de esqui... e ganharam! Poderia o mesmo modelo desenvolvimento ter sido aplicado no Baixo Sabor? Claro que sim... E em vez dos mil postos de trabalho durante o pouco tempo que dura a construção da barragem teríamos umas largas centenas de empregos que perdurariam por décadas... além dum país de que nos poderíamos orgulhar!