25 janeiro 2007

A beleza do Inverno


O Inverno é seguramente a estação do ano mais dura para a Fauna Ibérica: às baixas temperaturas junta-se a escassez de alimento e ocasionalmente a dificuldade adicional de caminhar sobre a neve. Mas este é também um tempo de beleza extraordinária em que aos cumes nevados se junta o prazer de caminhar em solidão nas mais fantásticas montanhas ibéricas. As imagens acima reproduzidas foram obtidas na vertente asturiana da Cordilheira Cantábrica, um dos principais bastiões do Urso-pardo (Ursus arctos) na Europa Ocidental. Infelizmente os nossos ameaçados plantígrados não apreciam tal panorama recolhidos que estão a hibernar numa qualquer caverna remota...

22 janeiro 2007

Terras raianas: a última fronteira para a fauna mais ameaçada

Marco geodésico a separar Portugal (à direita) de Espanha
(à esquerda), local de ocorrência de Lobo-ibérico (
Canis
lupus signatus
) e Águia-real (Aquila chrysaetos)

Ao longo de séculos de história Portugal e Espanha viveram de costas voltadas, pelo que as zonas fronteiriças caracterizam-se ainda hoje por serem de locais de escassa ocupação humana. Graças a este facto as terras raianas apresentam uma Natureza relativamente intacta, ostentando algumas das espécies mais ameaçadas da nossa fauna.
Atentando para o mapa das nossas áreas protegidas constata-se que o nosso único Parque Nacional e um número razoável de Parques Naturais localizam-se junto ao país vizinho, possibilitando a livre passagem de animais. Entre as espécies mais emblemáticas que benificiaram da animosidade ancestral entre os dois países ibéricos contam-se precisamente os principais predadores europeus: o Lobo (Canis lupus) e a Águia-real (Aquila chrysaetos).
Caminhar junto a marcos fronteiriços no interior português significa provavelmente explorar um dos locais mais selvagens da Península Ibérica...

15 janeiro 2007

Lince ibérico: presente e futuro do felino mais ameaçado do mundo (3)

Crias de Lince ibérico (Lynx pardinus) nascidas em cativeiro a 23 de Março de 2006. Tratam-se de duas fêmeas, Camarina e Castañuela, filhas de Saliega e Garfio, que sobrevivem até à actualidade.

Como resposta às recomendações expressas na Estratégia para a Conservação do Lince Ibérico (Lynx pardinus), o Ministério do Meio Ambiente espanhol elaborou um plano para a criação em cativeiro deste felino. No chamado Comité de Criação participam representantes de 15 instituições internacionais, nomeadamente especialistas nas áreas da reprodução, gestão de animais em cativeiro, genética, aspectos sanitários, etologia e conservação in-situ.

Os objectivos do plano de criação em cativeiro do lince ibérico são os seguintes:
- contribuir para o estabelecimento de uma população ex-situ de lince ibérico viável desde o ponto de vista sanitário, genético e demográfico, que permita o desenvolvimento de técnicas de reprodução natural e assistida;
- elaborar protocolos de actuação sobre os distintos aspectos do plano de criação em cativeiro;
- contribuir para a sensibilização, divulgação e educação sobre a situação do lince;
- fomentar a criação e manutenção de um banco de recursos biológicos que ajude a preservar a máxima diversidade genética presente neste felino;
- preparar os animais nascidos em cativeiro para uma futura reintrodução em áreas de distribuição histórica.

Até ao momento o programa de criação do lince ibérico decorre num único espaço preparado para o efeito: o Centro de Criação de El Acebuche. Localizado em pleno Parque Nacional de Doñana (Andaluzia), este centro foi inaugurado em 1992 com a incorporação de 2 fêmeas e 1 macho que, na altura da admissão, apresentavam ferimentos diversos resultante do aprisionamento em armadilhas ilegais.
Em 2005 El Acebuche foi testemunha de um momento histórico: numa segunda-feira, dia 28 de Março, precisamente às 18h26m (hora de Lisboa) Saliega, uma fêmea de quase três anos de idade oriunda da população da Serra Morena, deu à luz 3 pequenos linces, duas fêmeas e um macho! Dias depois, na sequência de uma luta entre os irmãos, uma das fêmeas infelizmente pereceu contudo as outras duas crias ainda vivem.
Em 2006 Saliega foi novamente mãe de duas fêmeas tendo sido acompanhada por Esperanza (que deu à luz um macho e uma fêmea) e Aliaga (que pariu dois pequenos linces entretanto falecidos).
Numa história repleta de pequenos avanços e por vezes grandes contratempos a população de lince em cativeiro vai aumentando de forma sustentada. Neste momento Portugal é candidato à constituição de mais um centro de criação juntamente com as comunidades espanholas da Extremadura e Andaluzia. Conforme se pode observar na tabela abaixo publicada (Fonte: Astrid Vargas, Programa de conservación ex-situ del lince ibérico: organización, planificación y situación actual) 2010 será o ano-chave em que se poderão efectuar as primeiras reintroduções de lince ibérico na Natureza. Assistiremos na próxima década à fundação de uma população estável do felino mais ameaçado do mundo no nosso país? Espero sinceramente escrever sobre esse momento no blogue Fauna Ibérica...

Teclar no botão esquerdo do rato para ampliar a tabela e o gráfico.

05 janeiro 2007

Lince ibérico: presente e futuro do felino mais ameaçado do mundo (2)



Perante os resultados dramáticos disponibilizados pelo mais completo censo alguma vez realizado sobre a situação do Lince ibérico (Lynx pardinus) em Portugal e Espanha (no final de 2003 apenas se verificava uma presença vestigial do felino no nosso país e descida abrupta da população espanhola para um máximo de 30 fêmeas reprodutoras), iniciaram-se ambiciosos planos de conservação in situ (no terreno) e ex situ (reprodução em cativeiro, investigação e aprovação dos programas de recuperação da espécie).
Com o apoio logístico e financeiro da Junta da Andaluzia e da União Europeia foram investidos nos últimos anos mais de 1 milhão de euros em prol do lince. Uma das princiais áreas de actuação incidiu sobre o núcleo populacional da Serra Morena que, com cerca de 100 linces adultos e 20 fêmeas reprodutoras, constitui o principal reduto deste felino na actualidade.
A população da Serra Morena encontra-se dividida em dois núcleos separados por cerca de 5 quilómetros: o núcleo do vale do Jándula e o núcleo do vale do Yeguas. Este último é o que apresenta a situação mais problemática visto que em 2002 apenas existiam 7 linces, dos quais 3 eram fêmeas reprodutoras. Com mais de 70% da área na posse de privados e antes que qualquer medida de conservação fosse efectivada foi necessário iniciar prolongadas conversações com o intuito de se obterem as indispensáveis autorizações para o acesso e o manejo destas terras, o que finalmente foi conseguido em 2003.
Para melhorar a situação do lince era necessário aumentar a disponibilidade de alimento, ou seja aumentar a densidade da sua presa-alvo: o Coelho (Oryctolagus cuniculus). Como a solta directa de coelhos não produz habitualmente os resultados desejados procedeu-se então à construção de dezenas de cercados, com 1 a 4 hectares de perímetro, contendo entre 20 a 30 coelhos cada um, o que elevava a densidade generalizada do lagomorfo em toda a área a 2 coelhos por hectare (densidade mínima que permite a reprodução do lince). Além disso procedeu-se à elaboração de pontos de alimentação suplementar também com altas densidades de coelho. Resultado: dos 7 linces iniciais passou-se para 36 em 2006, ou seja a população de lince multiplicou-se por 5 (!) em apenas 3 anos. Existem agora 7 a 8 fêmeas reprodutoras que em 2006 deram à luz, só nesta sub população, 19 pequenos linces...
O sucesso deste projecto foi tão marcado que neste momento a União Europeia aprovou um novo orçamento de 25 milhões de euros, valor sem precedentes no âmbito da conservação de espécies ibéricas ameaçadas, para o prosseguimento das medidas já implementadas e translocação de exemplares para a segunda população mais importante de lince, a do Parque Nacional de Doñana, de forma a aumentar a variabilidade genética.

No próximo post falarei sobre as medidas de conservação ex situ do lince ibérico, nomeadamente o programa de reprodução em cativeiro.