Vale do Sabor: reduto de vida selvagem desde tempos imemoriais tem o fim anunciado para os próximos meses!
Há opiniões que não devem ser proferidas a quente. Por isso esperei mais de 1 semana para me pronunciar sobre a decisão final de construção de um aproveitamento hidroeléctrico de grande envergadura no Vale do Sabor.
Querem-nos fazer crer que o melhor para o país é a edificação da barragem do Sabor. Querem-nos fazer crer que esta obra pública vai criar mil postos de trabalho que solucionarão os problemas de regressão demográfica do interior transmontano. O Ministro do Ambiente, Francisco Nunes Correia, quer-nos fazer crer que a construção da albufeira irá "trazer algumas consequências negativas que serão mais do que contrabalançadas pelos aspectos positivos" (SIC).
Pois a mim estes senhores não me convencem. Em Portugal a Conservação da Natureza é o parente pobre das prioridades nacionais. Não é algo que surpreenda quando se sabe que são as sociedades mais evoluídas aquelas que dedicam a maior fatia de recursos para a preservação do Meio Ambiente.
Qualquer país do primeiro mundo há muito tempo que já teria declarado o Vale do Sabor não Paisagem Protegida, não Parque Natural, mas sim Parque Nacional! França 7 tem Parques Nacionais, Espanha 14, Portugal apenas 1! O Sabor é dos raríssimos locais do país que reúne as condições necessárias para receber a classificação máxima em termos de protecção do ambiente. Senão vejamos: a maior população de Águia-real (Aquila chrysaetos) em território exclusivamente português, uma das maiores densidades de Águia-de-Bonneli (Hieraaetus fasciatus) a nível mundial, populações estáveis de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), de Lontra (Lutra lutra) e de Gato-montês (Felis silvestris). E mais: Abrutre-do-egipto (Neophron percnopterus), Cegonha-negra (Ciconia nigra), Grifo (Gyps fulvus) ou Bufo-real (Bubo bubo) todos apresentam neste vale importantes efectivos populacionais. A lista continuaria indefinidamente: os mais extensos e bem conservados azinhais e sobreirais de Trás-os-Montes, um elevado número de endemismos, etc., etc.
Que vão então os portugueses fazer a um dos seus últimos paraísos? Destrui-lo irremediavelmente! Que diz o nosso Ministro do Ambiente, supostamente aquele que deveria colocar os valores naturais à frente dos interesses económicos? Avance-se com a obra... Pois na minha opinião Sr. Ministro não há protocolo de Quioto, não há plano de redução da emissão de gases estufa, que justifique a destruição de 60 quilómetros do mais preservado vale do país quando sabemos que na melhor das expectativas esta barragem só irá produzir 0,6% da energia consumida em Portugal. Democraticamente lhe digo Sr. Ministro que estou cansado da sua subserviência relativamente ao lobby energético. Democraticamente lhe digo Sr. Ministro que lhe falta a coragem necessária para enfrentar interesses instalados em prol do Ambiente que em primeira instância deveria defender...
Termino com uma mensagem para as populações locais: não se iludam com os mil postos de trabalho. Estes serão temporários e a construção da barragem por si só não se traduz em riqueza para os seus afectados. Várias situações de expectativas não cumpridas poderiam ser referidas: Alto Lindoso, Vilarinho das Furnas, Picote, apenas para citar algumas.
Deixo um exemplo do que poderia e deveria ser uma alternativa à albufeira: no Principado das Astúrias (Norte de Espanha) o concelho de Somiedo era uma remota região montanhosa vergada à desertificação... até há 15 anos atrás. Nessa altura a população apoiou a criação de um Parque Natural, foi promovida a protecção do Urso-pardo (Ursus arctos) convertido em emblema dessas serras, surgiram casas de turismo de habitação, restaurantes, lojas de produtos locais, passeios pedestres organizados. Hoje Somiedo está entre os concelhos mais ricos das Astúrias e os ursos aumentaram a sua população. Trata-se de uma riqueza sustentada que perdurará no tempo. Vendem algo que cada vez existe menos: conforto e bem-estar numa paisagem intocada e bravia. Resistiram à tentação das barragens, da energia eólica, das estações de esqui... e ganharam! Poderia o mesmo modelo desenvolvimento ter sido aplicado no Baixo Sabor? Claro que sim... E em vez dos mil postos de trabalho durante o pouco tempo que dura a construção da barragem teríamos umas largas centenas de empregos que perdurariam por décadas... além dum país de que nos poderíamos orgulhar!