Lagoa de Guadramil. Localizada no extremo Oriental do Parque Natural de Montesinho é testemunha de um equilíbrio natural secular entre as populações de Veado (Cervus elaphus) e Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), caso único em Portugal. O Parque Natural de Montesinho localiza-se no extremo Nordeste de Portugal abrangendo uma área de mais de 74 mil hectares e encerra uma imensa riqueza natural e cultural.
É uma das áreas para a fauna mais importantes da Europa. Aqui habitam 250 espécies de vertebrados, alcançam-se as maiores densidades de Lobo (
Canis lupus) de todo o Velho Continente, as cumeadas e os lameiros são percorridos por mais de 160 espécies de aves, entre as quais se contam as raríssimas Águia-real (
Aquila chrysaetos), Cegonha-negra (
Ciconia nigra) ou Tartaranhão-azulado (
Circus cyaneus), os ribeiros de montanha apresentam as melhores populações nacionais da escassa Toupeira-de-água (
Galemys pyrenaicus) e são exclusivas várias espécies de borboletas como a
Lycaena virgaureae ou a Brenthis daphne.
Montesinho é também sinónimo de vida em comunidade. Neste Parque Natural, como em nenhum outro local do nosso país, existem hábitos comunitários que tem por base o auxílio e a fruição conjunta de bens podendo-se citar o exemplo do rebanho comum de Rio de Onor. As Festas dos Rapazes por altura do solstício de Inverno remetem para tempos anteriores à cristianização e estão associadas a um misticismo belo e primitivo em que se celebram os rituais de passagem e a integração na vida adulta.Por tudo isto e por muito mais as Serras de Montesinho e da Coroa, as suas aldeias e o modo de vida que representam estão protegidas por lei. O Decreto de Lei nº 355/79, criou o Parque Natural de Montesinho porque "a riqueza natural e paisagística do maciço montanhoso Montesinho - Coroa e os valiosos elementos culturais das comunidades humanas que ali se estabeleceram justificam que urgentemente se iniciem acções com vista à salvaguarda do património e à animação sócio - cultural das populações". Pela Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97 foi criado o Sítio "“Montesinho - Nogueira” (Sítio de Importância Comunitária - SIC - Rede Natura 2000). Finalmente o Decreto de Lei nº 384-B/99 definiu a Zona de Protecção Especial para Aves Selvagens das “Serras de Montesinho - Nogueira”.
É neste espaço único de Portugal, mais precisamente no seu centro nevrálgico onde se encerram as maiores riquezas naturais e portanto onde a protecção perante actividades transformadoras do meio deve ser maior, que está planeado aquele que os promotores definem como o "maior parque eólico europeu". A adjectivação de "segunda Auto-Europa em Portugal" é por demais elucidativa do impacto deste empreendimento fortemente apoiado pelo poder autárquico local. Segundo o Presidente da Câmara de Bragança "este projecto necessita de muita cooperação institucional e de abertura por parte do Governo e nada de fundamentalismos". As notícias avançadas na comunicação social afirmam que o parque eólico entrará em funcionamento já em 2009, que a sua concretização estancará a perda de população das aldeias inseridas no Parque Natural de Montesinho e que em termos ambientais os estragos não serão significativos pois já existem parques eólicos em funcionamento na vertente espanhola.
E assim tudo isto é apresentado como um facto consumado, a construção deste gigantesco parque eólico numa das áreas mais preservadas do nosso país parece inevitável.
Contudo, como muitas vezes acontece, entre aquilo que é dito e a realidade existe uma grande diferença. Vejamos:
- O mega parque eólico de Montesinho não será nunca uma segunda Auto-Europa. Conforme referem os próprios promotores quando em funcionamento assegurará entre 45 e 50 postos de trabalho, muito distante portanto dos mais de 7000 empregos directos e indirectos criados pela fábrica de Palmela.
- Na vertente espanhola existem de facto parques eólicas mas nenhum, repito, nenhum se inclui numa área protegida. No Parque Natural do Lago de Sanábria próximo a Montesinho não se encontra qualquer aerogerador. Também na vizinha Reserva Regional de Caça da Serra da Culebra, que ostenta um estatuto de protecção ambiental bastante inferior ao Parque Natural português, estão excluídos os parques eólicos. Os espanhóis apoiam a energia eólica mas sempre fora das suas áreas protegidas.
- O empreendimento eólico afectará todo o Parque Natural de Montesinho uma vez que está prevista a instalação de aerogeradores nos terrenos das aldeias de Montesinho, Rio de Onor, Guadramil, Travanca, Pinheiro Novo, Vilarinho, Zeive, Soutelo e Mofreita. Serão rasgados acessos em todas as vertentes das Serras da Coroa e Montesinho, a flora será destruída e a fauna terá que abandonar o local. Os estradões perdurarão durante décadas, a perturbação humana alcançará os recantos mais remotos, abre-se a porta à caça furtiva. Montesinho deixará de ser um local adequado para a usufruição da Natureza e inevitavelmente o turismo será afectado com prejuízo para os habitantes locais.
- Por último: alguma vez aldeias cercadas por torres eólicas poderão impedir a desertificação do interior transmontano? Por acaso o projecto eólico permitirá rejuvenescer os idosos ou criar oportunidades para os jovens comparáveis às dos grandes centros do litoral? Parece-me que o argumento demográfico se reveste de uma profunda desonestidade intelectual até porque os parques eólicos no nosso país não se constroem próximo a grandes aglomerados urbanos mas antes em locais de baixa densidade populacional.
No fim de contas Portugal encontra-se perante um dilema: ou se constrói o maior parque eólico europeu ou se preserva umas das melhores áreas protegidas europeias. Não há meio-termo. A construção do projecto eólico deve desclassificar imediatamente o Parque Natural de Montesinho pois realisticamente não é possível preservar a biodiversidade num gigantesco estaleiro. Se a opção recair sobre a conservação do Parque Natural então a iniciativa eólica, à semelhança do que ocorre nos restantes países europeus, deve definitivamente ficar afastada das áreas protegidas nacionais.
Termino com uma pergunta: visto que as áreas protegidas portuguesas (incluindo a Rede Natura 2000) ocupam cerca de 21% do território nacional não sobrará espaço suficiente para a construção de parques eólicos nos restantes 79%?