30 dezembro 2006

Lince ibérico: presente e futuro do felino mais ameaçado do mundo (1)

Poucos predadores serão mais belos e graciosos que o Lince ibérico (Lynx pardinus)

Distribuição actual do Lince ibérico (quadrículas a vermelho)

O Lince ibérico (Lynx pardinus) é uma espécie gravemente ameaçada que apenas sobrevive em Portugal e em Espanha ligada a habitats de bosque e mato mediterrâneos.
Entre 2000 e 2003 o lince ibérico foi objecto de um aprofundado censo populacional nas principais áreas potenciais para a espécie utilizando métodos directos e objectivos (como a análise de ADN de excrementos ou a utilização de câmaras fotográficas activadas por sensores de movimento). Os dados obtidos revelaram uma drástica regressão da área de distribuição histórica e dos efectivos populacionais da espécie em toda a Península (El Lince ibérico, Lynx pardinus, en España e Portugal: Censo-diagnóstico de sus poblaciones, Guzmán et al. 2004).
Assim, no final de 2003, apenas sobreviviam cerca de 160 linces ibéricos repartidos em duas populações reprodutoras: a do Parque Nacional de Doñana (com 24 a 33 animais adultos) e a das Serras de Andújar-Cardeña (com 60 a 110 exemplares), ocupando de forma estável uma área de 500 km quadrados. Verificou-se a presença de apenas 8 fêmeas reprodutoras em Doñana e de entre 18 a 23 em Andújar-Cardeña.
Em Portugal, dos 278 excrementos suspeitos de pertencerem a lince analisados, apenas 3 foram positivos: 2 recolhidos no Vale da Ursa na Serra da Malcata em Março de 1997 e outro recolhido na Adiça no final de 2001 (Santos-Reis, 2003). Embora não se possa afirmar a sua extinção no nosso país o cenário é bastante pessimista, com o desaparecimento do lince dos enclaves tradicionalmente mais importantes para a espécie ao longo da segunda metade da década de noventa .
A distribuição deste felino na Península Ibérica corresponde a pequenas áreas remotas que mantêm elevadas densidades da sua principal presa, o Coelho (Oryctolagus cuniculus). Recentemente o seu estatuto de conservação foi reclassificado pela UICN (The World Conservation Union) encontrando-se agora na categoria de "Risco Crítico de Extinção".
No próximo post falarei das medidas actualmente em marcha para impedir a extinção deste símbolo da Natureza Ibérica. Para terminar este texto (e já agora este ano) de forma mais agradável adianto desde já que algumas destas acções têm obtido resultados extremamente positivos...

Para todos os leitores do blogue Fauna Ibérica os meus votos sinceros de um óptimo ano 2007, repleto de saúde e de projectos realizados!

22 dezembro 2006

Snow tracking

Rasto de Lebre cantábrica (Lepus castroviejoi)

Pegada de Javali (Sus scrofa)

Um dos melhores meios para conhecer quais os mamíferos que se movimentam numa determinada área em pleno Inverno é o snow tracking. Como o próprio nome indica trata-se de interpretar os sinais, vulgo pegadas, deixadas pelos animais na neve. Muito utilizada na América do Norte e nos países europeus mais setentrionais esta técnica, por limitações óbvias, raramente é utilizada na Península Ibérica.
Há poucas semanas, em várias saídas de campo na Cordilheira Cantábrica (Principado de Astúrias) numa paisagem recém-nevada, tive a oportunidade de desenvolver os princípios do snow tracking e a ele fiquei rendido devido à qualidade e quantidade de informação que disponibiliza. Assim pude seguir durante várias centenas de metros os passos de uma Lebre-cantábrica (Lepus castroviejoi) num prado de altitude, compreender o movimento de um grupo familiar de Javalis (Sus scrofa) que desceu da floresta em direcção aos campos de cultivo que ladeavam uma aldeia em busca de alimento ou verificar a hesitação de uma Camurça (Rupicapra rupicapra) entre a protecção garantida pelas paredes rochosas da montanha ou o abrigo do rigor climático proporcionado pelo bosque mais próximo.
Entre cumes nevados, florestas despidas e aldeias longínquas, seguindo durante horas os passos da nossa fauna e admirando a sua resistência e tenacidade, estes dias do mais rigoroso Inverno serão porventura os melhores para comungar totalmente com a Natureza...

A todos os leitores do blogue Fauna Ibérica desejo um Feliz Natal!

20 dezembro 2006

Vara de Javalis

Cinco Javalis (Sus scrofa) percorrem um remoto bosque nas montanhas do Norte da Península Ibérica. [Para ampliar a imagem teclar com o botão esquerdo do rato sobre a mesma]

As câmaras fotográficas activadas por sensores de movimento e calor permitem descobrir certos comportamentos da fauna ibérica mais esquiva. Um exemplo disso mesmo pode ser constatado na fotografia acima reproduzida, onde se observa a deslocação de uma vara de Javalis (Sus scrofa) no interior de um velho bosque de Faias (Fagus sylvatica).
Para além da confirmação da presença da espécie nesta floresta a foto permite concluir que a área de estudo é bastante tranquila visto que os 5 javalis foram retratados em plena luz do dia.
Várias questões se poderão colocar perante este documento, obtido em Dezembro: tratar-se-á de um grupo de fêmeas e de juvenis nascidos este ano? Ou será que estamos perante uma vara de suídeos sub-adultos, expulsos da companhia das suas progenitoras agora que estas se encontram em pleno cio? Conseguirão estes animais sobreviver às privações do Inverno e às inúmeras montarias de que serão alvo?

13 dezembro 2006

Rio Sabor: o eixo da Natureza Transmontana (2)


A principal ameaça à preservação da extraordinária biodiversidade do Vale Sabor e dos seus diferentes habitats é a previsível construção da barragem do Baixo Sabor. Impulsionada por um lobby fortíssimo a sua edificação é praticamente inevitável. Como cidadão preocupado com a preservação das áreas ecologicamente mais sensíveis do nosso país sinto-me na obrigação de desmistificar certas considerações que ultimamente tenho lido (fonte: Companhia Portuguesa de Produção de Electricidade, S.A. - promotora do empreendimento)

"A barragem do Baixo Sabor é um empreendimento de elevado interesse estratégico pois aumenta a capacidade de produção de energia".
Esta afirmação está longe de corresponder à verdade uma vez que a energia produzida por esta barragem representará apenas 0,6% da energia consumida em Portugal em 2010. O próprio estudo de impacte ambiental considera que a sua importância energética é insignificante a nível nacional.

"A barragem do Baixo Sabor é um empreendimento de elevado interesse estratégico pois permite dispor de uma reserva de água muito importante, capaz de fazer face a situações de carência".
A construção de uma barragem alternativa no médio/alto Côa, com um impacte ambiental relativamente menor, permitiria a obtenção de uma reserva de água semelhante à expectável para o baixo Sabor (cerca de 600 hectómetros cúbicos).

"A barragem do Baixo Sabor é um empreendimento de elevado interesse estratégico pois numa zona em que se verifica uma desertificação crescente a construção do empreendimento constitui uma grande oportunidade para os projectos de desenvolvimento local e regional"
Se há província em Portugal na qual a construção de não uma mas antes várias barragens ao longo das últimas décadas não conseguiu travar a desertificação das suas povoações essa província é Trás-os-Montes.

Conforme apresentado no post anterior - ver Rio Sabor: o eixo da Natureza Transmontana (1) - o Vale do Sabor é dotado de uma Natureza exuberante e ímpar no contexto europeu.
A forma de desenvolvimento mais sustentável que poderia ser assegurado às gentes que vivem nas suas encostas seria a constituição de uma Área Protegida, talvez sob a forma de Parque Natural que, com o enquadramento financeiro adequado, promovesse e divulgasse os valores naturais da zona, empregasse nos seus quadros habitantes locais, fomentasse o Turismo Rural e formas de usufruição da paisagem ecologicamente correctas como a criação de trilhos pedestres, o Bird Watching, a canoagem, entre outros. A título de exemplo veja-se o que se passa no Principado nas Astúrias, na vizinha Espanha, em que, após o sucesso económico e ambiental que representou a constituição do Parque Natural de Somiedo em meados da década de oitenta, foram criados nos últimos anos mais 4 (!) Parques Naturais em zonas limítrofes, na maioria dos casos por pressão das populações locais.
Ao contrário da mensagem que pretendem fazer passar a construção da barragem do Baixo Sabor deixará o nosso país muito mais pobre...

01 dezembro 2006

Rio Sabor: o eixo da Natureza Transmontana (1)


O Rio Sabor nasce aos 1600 metros de altitude na Serra da Parada (Espanha), percorre cerca de 120 quilómetros e desagua aos 97 metros de altitude na margem direita do Rio Douro. Ao longo deste percurso discorre livre de barragens por alguns dos mais belos locais da província de Trás-os-Montes, encerrando uma riqueza natural tão distinta que a sua preservação se revela fundamental para a preservação da biodiversidade europeia.
O Vale do Sabor apresenta 17 tipos diferentes de habitats naturais, dos quais 4 com estatuto de conservação prioritária, segundo a directiva europeia Habitats. Aqui concentram-se os mais extensos e bem conservados sobreirais e azinhais transmontanos bem como várias espécies de plantas raras, como por exemplo a única população nacional de Arabis alpina ou mais de dois terços dos efectivos de Buxo (Buxus sempervirens).
Águia-real (Aquila chrysaetos), Águia-de-Bonnelli (Hieraaetus fasciatus), Cegonha-negra (Ciconia nigra), Abutre-do-egipto (Neophron percnopterus), Falcão-peregrino (Falco peregrinus), Bufo-real (Bubo bubo) são algumas das mais raras aves europeias que encontram no Sabor um dos seus principais refúgios. Os números dizem tudo: 14 a 16 casais de águia-real, 6 a 10 de águia de Bonelli, 1 a 5 de cegonha-negra, 8 a 11 de abutre-do-egipto, 6 a 10 de falcão-peregrino, 11 a 20 de bufo-real (fonte: Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves). Dificilmente haverá outro local com tal densidade de aves rupícolas...
Orientado no sentido Norte-Sul, verdadeiro eixo de Trás-os-Montes, o Sabor é um autêntico corredor ecológico, onde estão representadas algumas das mais ameaçadas espécies de vertebrados nacionais. O seu estatuto de protecção actual (Zona de Protecção Especial para as Aves e Rede Natura 2000) só peca por escasso. A conservação dos valores ambientais deste vale deveria ser um desígnio nacional.