26 abril 2007

Parque Natural de Montesinho ou Parque Eólico de Montesinho?

Lagoa de Guadramil.
Localizada no extremo Oriental do Parque Natural de Montesinho é testemunha de um equilíbrio natural secular entre as populações de Veado (Cervus elaphus) e Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), caso único em Portugal.

O Parque Natural de Montesinho localiza-se no extremo Nordeste de Portugal abrangendo uma área de mais de 74 mil hectares e encerra uma imensa riqueza natural e cultural.
É uma das áreas para a fauna mais importantes da Europa. Aqui habitam 250 espécies de vertebrados, alcançam-se as maiores densidades de Lobo (Canis lupus) de todo o Velho Continente, as cumeadas e os lameiros são percorridos por mais de 160 espécies de aves, entre as quais se contam as raríssimas Águia-real (Aquila chrysaetos), Cegonha-negra (Ciconia nigra) ou Tartaranhão-azulado (Circus cyaneus), os ribeiros de montanha apresentam as melhores populações nacionais da escassa Toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus) e são exclusivas várias espécies de borboletas como a Lycaena virgaureae ou a Brenthis daphne.
Montesinho é também sinónimo de vida em comunidade. Neste Parque Natural, como em nenhum outro local do nosso país, existem hábitos comunitários que tem por base o auxílio e a fruição conjunta de bens podendo-se citar o exemplo do rebanho comum de Rio de Onor. As Festas dos Rapazes por altura do solstício de Inverno remetem para tempos anteriores à cristianização e estão associadas a um misticismo belo e primitivo em que se celebram os rituais de passagem e a integração na vida adulta.
Por tudo isto e por muito mais as Serras de Montesinho e da Coroa, as suas aldeias e o modo de vida que representam estão protegidas por lei. O Decreto de Lei nº 355/79, criou o Parque Natural de Montesinho porque "a riqueza natural e paisagística do maciço montanhoso Montesinho - Coroa e os valiosos elementos culturais das comunidades humanas que ali se estabeleceram justificam que urgentemente se iniciem acções com vista à salvaguarda do património e à animação sócio - cultural das populações". Pela Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97 foi criado o Sítio "“Montesinho - Nogueira” (Sítio de Importância Comunitária - SIC - Rede Natura 2000). Finalmente o Decreto de Lei nº 384-B/99 definiu a Zona de Protecção Especial para Aves Selvagens das “Serras de Montesinho - Nogueira”.

É neste espaço único de Portugal, mais precisamente no seu centro nevrálgico onde se encerram as maiores riquezas naturais e portanto onde a protecção perante actividades transformadoras do meio deve ser maior, que está planeado aquele que os promotores definem como o "maior parque eólico europeu". A adjectivação de "segunda Auto-Europa em Portugal" é por demais elucidativa do impacto deste empreendimento fortemente apoiado pelo poder autárquico local. Segundo o Presidente da Câmara de Bragança "este projecto necessita de muita cooperação institucional e de abertura por parte do Governo e nada de fundamentalismos". As notícias avançadas na comunicação social afirmam que o parque eólico entrará em funcionamento já em 2009, que a sua concretização estancará a perda de população das aldeias inseridas no Parque Natural de Montesinho e que em termos ambientais os estragos não serão significativos pois já existem parques eólicos em funcionamento na vertente espanhola.
E assim tudo isto é apresentado como um facto consumado, a construção deste gigantesco parque eólico numa das áreas
mais preservadas do nosso país parece inevitável.

Contudo, como muitas vezes acontece, entre aquilo que é dito e a realidade existe uma grande diferença. Vejamos:
- O mega parque eólico de Montesinho não será nunca uma segunda Auto-Europa. Conforme referem os próprios promotores quando em funcionamento assegurará entre 45 e 50 postos de trabalho, muito distante portanto dos mais de 7000 empregos directos e indirectos criados pela fábrica de Palmela.
- Na vertente espanhola existem de facto parques eólicas mas nenhum, repito, nenhum se inclui numa área protegida.
No Parque Natural do Lago de Sanábria próximo a Montesinho não se encontra qualquer aerogerador. Também na vizinha Reserva Regional de Caça da Serra da Culebra, que ostenta um estatuto de protecção ambiental bastante inferior ao Parque Natural português, estão excluídos os parques eólicos. Os espanhóis apoiam a energia eólica mas sempre fora das suas áreas protegidas.
- O empreendimento eólico afectará todo o Parque Natural de Montesinho uma vez que está prevista a instalação de aerogeradores nos terrenos das aldeias de Montesinho, Rio de Onor, Guadramil, Travanca, Pinheiro Novo, Vilarinho, Zeive, Soutelo e Mofreita. Serão rasgados acessos em todas as vertentes das Serras da Coroa e Montesinho, a flora será destruída e a fauna terá que abandonar o local. Os estradões perdurarão durante décadas, a perturbação humana alcançará os recantos mais remotos, abre-se a porta à caça furtiva. Montesinho deixará de ser um local adequado para a usufruição da Natureza e
inevitavelmente o turismo será afectado com prejuízo para os habitantes locais.
- Por último: alguma vez aldeias cercadas por torres eólicas poderão impedir a desertificação do interior transmontano? Por acaso o projecto eólico permitirá rejuvenescer os idosos ou criar oportunidades para os jovens comparáveis às dos
grandes centros do litoral? Parece-me que o argumento demográfico se reveste de uma profunda desonestidade intelectual até porque os parques eólicos no nosso país não se constroem próximo a grandes aglomerados urbanos mas antes em locais de baixa densidade populacional.

No fim de contas Portugal encontra-se perante um dilema: ou se constrói o maior parque eólico europeu ou se preserva umas das melhores áreas protegidas europeias. Não há meio-termo. A construção do projecto eólico deve desclassificar imediatamente o Parque Natural de Montesinho pois realisticamente não é possível preservar a biodiversidade num gigantesco estaleiro. Se a opção recair sobre a conservação do Parque Natural então a iniciativa eólica, à semelhança do que ocorre nos restantes países europeus, deve definitivamente ficar afastada das áreas protegidas nacionais.

Termino com uma pergunta:
visto que as áreas protegidas portuguesas (incluindo a Rede Natura 2000) ocupam cerca de 21% do território nacional não sobrará espaço suficiente para a construção de parques eólicos nos restantes 79%?

23 abril 2007

Peneireiro-das-torres: o falcão ameaçado


Pormenor de uma fêmea de Peneireiro-das-torres (Falco naumanni) na entrada do seu ninho.

Casal de peneireiros-das-torres pousado no telhado de uma habitação onde existem vários ninhos construídos pelos técnicos da Reserva Natural Lagunas de Villafáfila para albergar este falconídeo.

Na Reserva Natural Lagunas de Villafáfila (RNLV) existe um pequeno falcão que escolheu viver perto do Homem, nas torres de igreja, nos castelos ou conventos, formando colónias com dezenas ou centenas de indivíduos: trata-se do Peneireiro-das-torres (Falco naumanni).
Esta ave, que segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal possui um estatuto de conservação desfavorável (classificada como vulnerável) passa o Inverno no continente africano e regressa à Península Ibérica nos meses estivais. Apresenta uma cabeça azulada, dorso das asas ruivo e no caso do macho desprovido de manchas (o que o distingue do seu congénere mais comum: o Peneireiro-vulgar - Falco tinnunculus) e região inferior das asas brancas. Na aldeia de Otero de Sariegos, incluída na RNLV, existe uma das maiores colónias ibéricas sendo por isso relativamente fácil observar os pequenos falconídeos no trajecto entre os ninhos, localizados no centro da povoação, e os campos de cereais circundantes onde caçam insectos, sobretudo gafanhotos, grilos e coleópteros grandes.
O peneireiro-das-torres é todo um símbolo de que o Homem, por vezes, consegue acrescentar diversidade biológica nos meios em que intervêm pois só a existência da chamada estepe cerealífera (amplos horizontes dedicados ao cultivos dos cereais e onde abunda uma fauna específica) permite sustentar uma população estável deste falconídeo. Por outro lado para que nidifique com sucesso é mandatório respeitar os ninhos, localizados habitualmente nas edificações mais emblemáticas das povoações, o que diz muito do valor que determinadas comunidades humanas ainda atribuem ao mundo natural.

16 abril 2007

Reserva Natural Lagunas de Villafáfila

A estepe, os pombais e as lagoas constituem o mosaico paisagístico da Reserva Natural Lagunas de Villafáfila

Limitada por terras áridas onde abundam os Tartaranhões-caçadores (Circus pygargus) e as Abetardas (Otis tarda), a Laguna Grande com cerca de 200 hectares de extensão é uma das zonas húmidas ibéricas que alberga maior biodiversidade.

A Nordeste da cidade leonesa de Zamora localiza-se um dos locais de maior importância para a conservação da avifauna europeia: a Reserva Natural Lagunas de Villafáfila (RNLV).
Abrangendo uma área superior a 30 mil hectares, a RNLV constitui um dos melhores exemplos da chamada estepe cerealífera, ou seja, encerra uma interminável extensão de terras desprovidas de árvores e com escassa vegetação não cultivada. Designa-se cerealífera para a distinguir da estepe natural, que em sentido estrito não existe na Península Ibérica. Rodeado por montanhas que impedem a passagem das nuvens este local apresenta um grande rigor hídrico, juntamente com Invernos gelados e estio prolongado. Mas é aqui, no meio desta suposta aridez, que se esconde um dos maiores tesouros da Natureza Ibérica: provavelmente a maior população mundial de Abetarda (Otis tarda), a mais pesada ave voadora do planeta!
Em qualquer altura do ano, mas com maior facilidade na Primavera, podem ser observadas estas imponentes aves, cuja população supera os 2500 exemplares (censo de Março de 2006). Nas primeiras horas do dia machos com mais de 18 kg de peso pavoneiam-se diante de grupos de fêmeas, qual estranha bola de neve (cauda de penas brancas armada, corpo inchado) perdida num deserto sem fim...
Mas a RNLV é muito mais que estepe: no seu interior encerram-se várias lagoas que servem de refúgio a uma "multidão" de patos, gansos e limícolas. Para se ter uma pequena noção da imensa riqueza biológica deste espaço basta referir que todos os anos mais de 20 mil (!) Gansos-comuns (Anser anser) oriundos do Norte da Europa escolhem as Lagunas de Villafáfila para invernarem.
Para programar uma visita a este paraíso perdido no interior de Castela e Leão aconselho desde já a leitura do site www.villafafila.com. Uma vez no terreno é obrigatório iniciar a visita pela Casa da Reserva "El Palomar onde se disponibilizam mapas e guias da área protegida.
A RNLV encerra ainda um outro grande tesouro natural mas isso será tema do próximo post...

P.S.1 Na Casa da Reserva os guias são bastante solícitos e quando questionados informam sobre os melhores sítios para observar abetardas (e não só...) com base nos avistamentos dos vários grupos de aves (alguns com centenas de indivíduos) ao longo dos últimos dias.

P.S.2 Apesar da informação acima referida e do facto das abetardas serem aves bastante grandes, a sua observação não resulta fácil pois tendem a evitar o contacto com o Homem e a coloração da sua penugem confunde-se com a paisagem circundante. Escusado será dizer que o uso de binóculos é indispensável.