31 dezembro 2007

Reintrodução de Águia Pesqueira na Andaluzia

Águia-pesqueira (Pandion haliaetus) fotografada no Parque Nacional de Banff (Montanhas Rochosas canadianas) em recente viagem do autor.

A Águia-pesqueira (Pandion haliaetus) é uma belíssima ave de rapina com ampla distribuição mundial (desde as Montanhas Rochosas canadianas até Cabo Verde) que em Portugal apresenta um estatuto de conservação francamente desfavorável: segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados a população residente encontra-se Criticamente Em Perigo (sem evidência de reprodução desde finais do século passado) e a população invernante está classificada como Em Perigo de extinção (pois o número de indivíduos que nos visita durante os meses mais frios não deverá ultrapassar as duas dezenas).
No país vizinho a situação não é melhor: embora seja conhecida a reprodução de cerca de 16 casais nas ilhas Baleares e de 18 nas ilhas Canárias a verdade é que não há evidência de uma população residente na Espanha Continental.
Com vista a melhorar esta situação, e ao contrário da passividade demonstrada pelo organismo luso responsável pela conservação da Natureza, as autoridades espanholas estão a proceder desde 2004 à reintrodução deste super-predador dos meios húmidos. Até à data foram libertadas 40 crias de águia-pesqueira descendentes de progenitores alemães e escoceses na Paraje Natural de las Marismas del Odiel (só no Verão de 2007 foram libertados 9 exemplares). A expectativa é a de que, atendendo ao ciclo biológico da espécie, dentro de 3 anos possa reproduzir-se pela primeira vez nesta área protegida o que representaria a primeira cria de águia-pesqueira na Península Ibérica do século XXI.
Para além da boa notícia que este facto por si só representa, para nós portugueses há um motivo adicional de regozijo: é que a Paraje Natural de las Marismas del Odiel, espaço protegido de 7185 hectares classificado como Reserva da Biosfera pela UNESCO, Zona Húmida RAMSAR e Zona de Especial Protecção para as Aves (ZEPA), localiza-se próximo à cidade de Huelva a apenas cerca de 40 quilómetros da fronteira portuguesa. Poderá a águia-pesqueira voltar a criar no nosso país a médio prazo beneficiando do trabalho da Consejería de Medio Ambiente da Andaluzia?

28 dezembro 2007

Texugo: o mascarado das nossas florestas

Exemplar de Texugo (Meles meles) fotografado no Distrito de Bragança num pinhal de Pinheiro-bravo (Pinus pinaster).

É um dos mamíferos lusitanos mais difíceis de observar na Natureza embora esteja presente por todo o território nacional. Tímido e de hábitos nocturnos o Texugo (Meles meles) apresenta um comportamento peculiar. Constrói uma toca com várias aberturas (normalmente entre 3 a 10) que partilha com outros texugos constituindo uma colónia. Dentro da toca colonial sociabiliza (por exemplo uma única câmara-ninho pode ser partilhada por 3 animais) mas quando se desloca para o exterior fá-lo habitualmente em solitário. Se não ocorrerem perturbações significativas estas tocas são usadas e ampliadas por gerações sucessivas de texugos.
A sua pegada é inconfundível: marca os cinco dedos e respectivas garras apresentando um tamanho aproximado de 6 por 5 cm no adulto. De entre todos os mustelídeos é aquele que mais marca a pegada.
Apresenta um regime alimentar omnívoro e oportunista, habitualmente mais carnívoro na Primavera e Verão e mais vegetariano no Outono com consumo de frutos carnosos e cereais. Talvez devido a esta variedade alimentar alcança um máximo populacional em paisagens tipo mosaico em que a floresta alterna com prados e zonas de cultivo.
Durante o Inverno a sua actividade reduz-se substancialmente, entrando num estado de letargia com redução da temperatura corporal sem que contudo se possa falar em verdadeira hibernação. Por isso foi com verdadeira surpresa que visitando o território da Alcateia de Bragança (ver postagens de Março 2007) constatei que uma das câmaras fotográficas automáticas utilizadas no seu seguimento tinha fotografado na noite de 13 de Dezembro um nutrido exemplar de texugo. No trilho as suas pegadas cruzavam-se com as de um lobo adulto. Será que estes animais se cruzaram? E se assim foi o que terá acontecido?

07 dezembro 2007

A morada do Esquilo


Ninho de Esquilo (Sciurus vulgaris) em local privilegiado de uma área protegida do Norte de Portugal.

O Esquilo (Sciurus vulgaris) colonizou recentemente grande parte do Norte e Centro de Portugal. A sua distribuição corresponde principalmente a florestas caducifólias de Carvalho (Quercus robur e petraea), Faia (Fagus sylvatica) e Castanheiro (Castanea sativa) bem como pinhais de Pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e Pinheiro-silvestre (Pinus silvestris), encontrando-se ausente dos montados de sobro (Quercus suber).
Embora este pequeno mamífero não hiberne verifica-se que a sua actividade reduz-se substancialmente nos períodos mais frios podendo passar vários dias no ninho quando as condições climatéricas são rigorosas.
Caminhando num dos raros pinhais de pinheiro-silvestre do nosso país pude observar uma destas "habitações", localizada como habitualmente a grande altura do solo (a mais de 8 metros) apresentando uma característica forma esférica de aproximadamente 30 cm de diâmetro. Conforme se constata na imagem a estrutura é constituída por pequenos ramos e paus que o animal recolhe no solo e possui uma abertura inferior à prova de intempérie.
Devido à actividade eminentemente diurna o nosso esquilo recolhe à sua morada principalmente para passar a noite. Apesar do aspecto acolhedor talvez lhe falte o aquecimento central para os meses que se avizinham...

26 novembro 2007

Urso-pardo cantábrico a caminho da recuperação

Bosque caducifólio misto no Parque Natural das Fuentes de Narcea e Ibias, percorrido pelo Urso-pardo cantábrico (Ursus arctos).

Serra de Perlunes no Parque Natural de Somiedo, território de uma unidade reprodutora da população Ocidental de urso-pardo.

Abril de 2001.
O dia aproximava-se do fim no Parque Natural de Somiedo, localizado na vertente Ocidental da Cordilheira Cantábrica. O frio apertava e sentado num prado perscrutava com os binóculos a encosta oposta. Perante mim elevava-se uma montanha de relevo abrupto com a cumeada revestida de neve. Observei o voo de uma Águia-real (Aquila chrysaetos) que há anos cria num ninho localizado a pouco mais de 1 quilómetro, a displicência de um grupo de Camurças (Rupicarpa rupicapra) que ruminavam próximo a uma atalaia pronunciada e uma Raposa (Vulpes vulpes) que se apressava sentindo-se exposta naquela encosta com reduzido coberto arbóreo.
Subitamente uma pequena mancha escura chamou-me a atenção. Avançava de forma hesitante, desengonçada. Que estranho animal seria aquele? Urso (Ursos arctos) não parecia pois era demasiado pequeno. Talvez um Javali (Sus scrofa)... mas seria de longe o porco selvagem mais estranho que alguma vez vira. Logo de seguida o meu espanto aumentou: um pouco mais atrás mostrava-se agora uma segunda mancha negra em tudo idêntica à primeira. Esta desatou a correr de forma desconexa e acabou por se imobilizar junto a uma penha. A suspeita aumentava a cada momento e foi com enorme alegria que instantes depois, detrás daquela rocha cársica, testemunhei o aparecimento de um belíssimo exemplar de Urso-pardo cantábrico! Durante a hora seguinte e até que os últimos raios de Sol desaparecessem no horizonte acompanhei esta ursa enquanto subia a encosta com as suas duas crias, parando para se alimentar aqui e acolá dos primeiros rebentos da Primavera. A certa altura a progenitora elevou-se sobre as patas traseiras para melhor captar os cheiros, certamente tentando perceber se seria seguida por algum macho que nesta fase do ano constituem uma séria ameaça para as crias. Mais abaixo acendiam-se já as luzes da aldeia e a ela tive que regressar no final de um daqueles dias que jamais esquecerei.

Novembro de 2007.
É apresentado o estudo "Demografia, distribución, genética y conservación del oso pardo cantábrico" fruto do trabalho de seguimento da população ursina ao longo dos últimos 16 anos pela ONG Fundación Oso Pardo e o Ministério de Meio Ambiente espanhol. Os dados confirmam aquilo que o melhor seguidor de ursos da Península, Alfonso Hartasánchez da ONG FAPAS, já vinha adiantando nos seus relatórios anuais: a população de Urso está em franca recuperação.
Actualmente pelas perspectivas mais conservadores existirão 130 ursos dividos nas populações Ocidental (cerca de 100) e Oriental (entre 25 a 30) mas provavelmente o seu número será superior. O número de ursas com crias aumentou 7% ao ano na população ocidental passando-se de 3 ursas com crias em 1994 para 15 em 2006. Na população Oriental, mais ameaçada, o crescimento tem sido de 3% anualmente constatando-se a recuperação de locais históricos de criação como as montanhas de Riaño. Neste momento existem ursas com crias a apenas 8 quilómetros da capital das Astúrias, a cidade de Oviedo.
O objectivo final do projecto de conservação da espécie e que permitirá a sua desclassificação como Em Perigo de Extinção é a conexão entre as duas populações. Os dados são positivos: pela primeira vez em anos foi constatada a presença de 2 exemplares próximo à auto-estrada de Huerna e acumulam-se indícios sobre a presença de uma ursa com crias junto a Pola de Lena na região central das Astúrias.
Sem descurar o longo caminho que ainda falta percorrer felicito por estes resultados as principais associações conservacionistas do urso-pardo cantábrico, a Fundación Oso Pardo e o FAPAS, as regiões autónomas envolvidas, o Ministério de Meio Ambiente espanhol e principalmente os habitantes da Cordilheira Cantábrica que desde sempre conviveram e toleraram o urso e hoje beneficiam justificadamente de um turismo de qualidade que utiliza a espécie como símbolo.

P.S. De forma a melhor preservar a biodiversidade toda a Cordilheira Cantábrica foi considerada Zona de Exclusão Eólica, e por isso está terminantemente proibida a instalação de Parques Eólicos. Porque não acontece o mesmo nas áreas protegidas portuguesas?

18 novembro 2007

Roseira-brava

Exemplar de Roseira-brava (Rosa canina s.l.) fotografada na Mata de Albergaria, Parque Nacional da Peneda-Gerês.

A Roseira-brava (Rosa canina s.l.) é um arbusto de folha caduca que atinge entre 1 a 3 metros de altura. Distribui-se por todo o território português mas atinge a sua máxima diversidade nas terras altas de Trás-os-Montes.
Habita em solos húmidos e ricos em nutrientes proliferando nas linhas de água ou na proximidade de bosques. Os seus frutos, com cerca de 2,5 centímetros de diâmetro e cor avermelhada, amadurecem no Outono e são comestíveis a fresco ou sob a forma de compota. Apresentam uma grande riqueza vitamínica e sabe-se que são eficazes no tratamento da diarreia.
Por isso da próxima vez que caminhe numa floresta portuguesa autóctone e encontre uma roseira-brava detenha-se para apreciar a beleza intrínseca deste arbusto e valorize a sua importância para a conservação da fauna local.

12 novembro 2007

Caça ao Lobo em Espanha a Sul do rio Douro

Raia espanhola próximo ao Rio Douro.

Enquanto que em Portugal o Lobo (Canis lupus signatus) é uma espécie ameaçada de extinção e por isso protegida por lei, em Espanha verifica-se um regime misto: a subpopulação a Norte do rio Douro está sujeita a controlo cinegético (a modalidade de caça varia consoante as diferentes comunidades autónomas) ao passo que a mais ameaçada subpopulação a Sul deste rio encontra-se protegida legalmente e a sua caça está interdita.
Mas esta situação em breve vai mudar: a Comunidade Autónoma de Castela e Leão prepara-se para aprovar em Janeiro de 2008 um novo plano de gestão do lobo que determina a sua classificação como espécie cinegética em todo o território. Trata-se de uma alteração de fundo que põe termo a mais de 20 anos de protecção legal do principal super-predador ibérico a Sul do rio Douro.
Já em 2003 a "Junta de Castilla y León" tentou remover o estatuto de protecção do maior canídeo selvagem nesta região. Nessa altura devido a uma forte pressão social, traduzida por um abaixo-assinado com mais de 13 mil assinaturas, e ao papel fundamental da Comissão Europeia tal não se verificou.
Mas neste momento e após nova petição da "Junta" a moção encontra-se prestes a ser aprovada pelas instâncias europeias. Que mudou desde 2003 para que ocorra este volte-face?
O jornal espanhol de referência "El País" avança com a explicação: "La Comisión, desde que llegó Durão Barroso, ha bajado bastante el nivel de exigencia en temas de medio ambiente". Acrescento eu: o vale do Sabor que o diga! Mais palavras para quê...

07 novembro 2007

A "indução de galhas" dos Carvalhos

Fotografia de Carvalho-negral (Quercus pyrenaica) repleto de "galhas" nos seus ramos.

Uma das características mais frequentes das várias espécies de carvalhos que surgem em Portugal é a presença de pequenas esferas nos seus ramos e folhas. Estas estruturas, ou "galhas", constituem a reacção da planta a picadas efectuadas por diferentes insectos.
Um dos principais insectos envolvidos é a vespa-das-galhas (Cynips tozae) cuja picada dá origem ao bugalho (a maior das "galhas"). No seu interior são depositados os ovos das vespas e quando estas emergem outros invertebrados podem aí encontrar protecção chegando a reproduzir-se no seu interior.
Este é apenas mais um exemplo do papel fundamental desempenhado pelos carvalhais na preservação da biodiversidade...

25 outubro 2007

Para que precisa Portugal da Quercus?


A Quercus pronunciou-se publicamente favorável à exploração de energia eólica no Parque Natural de Montesinho.
Segundo a associação é "contraproducente uma proibição taxativa" do potencial eólico da área protegida como se encontra proposto no Plano de Ornamento elaborado pelo Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade. Defende a ONG que "a construção de pequenos empreendimentos eólicos em contextos específicos, quando devidamente avaliados, pode ser compatível com os objectivos de conservação da biodiversidade", sugerindo que se "deverão definir um limiar de potência instalada e eventualmente o número de aerogeradores".
Mas em que mundo vivem estes senhores? Para o Parque Natural de Montesinho está projectada a instalação do maior parque eólico europeu o que destruirá definitivamente uma das mais belas paisagens portuguesas, arruinará os projectos turísticos locais já desenvolvidos e a consequente diminuição do fluxo de visitantes condenará à desertificação definitiva as aldeias distribuídas pelas serras de Montesinho e da Coroa. Isto para já não referir que a abertura de dezenas de quilómetros de novos acessos em áreas ecologicamente sensíveis causará um elevado impacto ambiental ou que os aerogeradores constituem uma ameaça directa para espécies protegidas como a Águia-real (Aquila chrysaetos), o Milhafre-real (Milvus milvus) ou o Tartaranhão-azulado (Circus cyaneus).
Quando a principal associação de protecção da Natureza portuguesa, com as responsabilidades que lhe advém desse facto, defende a edificação de torres eólicas no pouco mais de 20% do território nacional classificado como área protegida está a abrir um precedente gravíssimo. Como em Portugal falta o planeamento é fácil prever que a Quercus ao favorecer a instalação de parques eólicos numa das mais protegidas montanhas portuguesas está de facto a conceder carta branca e ascendente ético ao Governo e à Câmara Municipal de Bragança para levarem avante o projecto megalómano da empresa Airtricity.
Para que precisa a Natureza lusa de uma associação ambientalista que assume posições tão infelizes como esta?
Que ganhará a Quercus, e nomeadamente a sua delegação de Bragança, ao concordar com um fortíssimo lobby económico com grande representação local em desfavor do ambiente e da paisagem transmontanos?

18 outubro 2007

Plano de Ordenamento do Parque Natural de Montesinho

Natureza preservada e horizontes sem fim...
Qual o valor turístico desta realidade? Não tem preço! As gentes de Bragança preparam-se para condenarem
à desertificação definitiva as Serras de Montesinho e da Coroa ao pretenderem a instalação de gigantescos parques eólicos nesta paisagem belíssima.

Terminou ontem, dia 17 de Outubro, o período de discussão pública do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Montesinho. Trata-de de um documento fundamental pois entre outras importantes determinações dele dependerá a eventual exploração ou não de energia eólica no âmbito da área protegida.
Transcrevo de seguida o meu contributo pessoal para a discussão pública sobre o Plano de Ordenamento.

"O Parque Natural de Montesinho constitui um dos mais belos locais de Portugal. O valor da sua paisagem é inquestionável e o potencial turístico que encerra representa porventura a principal mais valia do Distrito de Bragança.
A exploração sustentada de um turismo de qualidade que inclua a recuperação arquitectónica das aldeias e a preservação do meio natural é o maior garante da criação de postos de trabalho para a população local e a única forma de deter o declive populacional de que padece a região.
Deve ser portanto proibida a instalação de torres eólicas no âmbito do Parque Natural de Montesinho. A sua edificação acarretaria de forma definitiva a perda do valor da paisagem e condenaria as povoações a uma desertificação inevitável.
Os parques eólicos, por maiores que sejam, apenas criam postos de trabalho durante a sua instalação. Uma vez concluídos poucos empregos proporcionam para os habitantes das aldeias afectadas. Neste caso em particular a situação seria ainda mais gravosa pois condenar-se-iam ao encerramento os alojamentos rurais actualmente em exploração. Por acaso alguém acredita que continuariam a chegar turistas das cidades do litoral para visitar uma paisagem industrializada em pleno Montesinho? Não é precisamente um ideal de aldeias e Natureza preservadas que atraem visitantes a Bragança? Que sentido faria a instalação de torres eólicas nas mais belas praias algarvias ou próximo a locais tão emblemáticos como Almourol ou Alcobaça?
Os rendimentos que provenham da implantação de parques eólicos na mais extraordinária paisagem montanhosa do país terão a médio prazo um preço demasiado elevado: condenarão ao desaparecimento as aldeias das Serras de Montesinho e da Coroa."

15 outubro 2007

A reprodução dos Anfíbios


Lagoa de origem glaciar na alta montanha cantábrica onde em Setembro se podia observar a fase final de desenvolvimento
larvar de anuro.


Os anfíbios, cuja designação com origem no latim significa vida dupla, caracterizam-se por alternarem o seu ciclo de vida entre as fases aquática e terrestre. Assim enquanto que o estado larvar decorre na água já a vida adulta inicia-se com a metamorfose e desenvolve-se em ambiente terrestre.
A reprodução ocorre nas épocas de maior pluviosidade e de temperaturas mais amenas coincidindo habitualmente com a Primavera e o Outono. Nos anuros (a ordem de anfíbios mais numerosa onde se incluem as rãs, as relas e os sapos) a fecundidade é bastante elevada podendo atingir milhares de ovos por postura.
O desenvolvimento larvar tem uma duração variável podendo prolongar-se por vários meses. Os membros surgem numa fase avançada da maturação aparecendo em primeiro lugar os posteriores. Os membros anteriores emergem próximo da metamorfose, a grande transformação onde se verifica a reabsorção da cauda e que culmina com o aparecimento do juvenil já bastante semelhante ao adulto.
Da próxima vez que caminhar próximo a uma zona húmida ou lagoa de altitude não se esqueça de dar uma espreitadela à massa de água e tente descobrir quais os anfíbios que a frequentam. A descoberta das suas características e as particularidades dos seus ciclos de vida contam-se entre os aspectos mais interessantes da vida selvagem.

28 setembro 2007

Regresso do Quebra-ossos ao Parque Nacional dos Picos de Europa


Com a sua aparência extravagante levada ao extremo nos seus olhos de "fogo", o Quebra-ossos (Gyapetus barbatus) representa uma súmula de dois mundos: o dos águias e o dos abutres.

Percorrer os principais trilhos do Parque Nacional dos Picos da Europa no Norte da Península Ibérica é uma experiência inolvidável: representa conhecer da forma mais próxima um dos locais mais preservados da Europa. Por aqui abundam Lobos-ibéricos (Canis lupus signatus), Águias-reais (Aquila chrysaetos), Grifos (Gyps fulvus), Pica-paus negros (Dryocopus martius), entre outras jóias faunísticas do Velho Continente. Mas para os meios conservacionistas espanhóis, e concretamente asturianos, o bom não é suficiente: buscam a excelência e por isso planeiam o regresso de uma espécie mítica à Cordilheira Cantábrica...
Essa espécie é o Quebra-ossos (Gyapetus barbatus), uma ave gigantesca (a sua envergadura atinge os 3 metros), rara a nível mundial, conhecida pelos seus peculiares hábitos dietéticos: é a única ave osteófaga (que se alimenta predominantemente de ossos) do planeta!
Actualmente a área de distribuição do Quebra-ossos abrange a Cordilheira Pirenaica, os Alpes Orientais (onde foi reintroduzido a partir de exemplares espanhóis no início dos anos 90 do século passado), os Himalaias e alguns maciços montanhosos da África Oriental.
A população dos Pirinéus apresenta uma alta densidade de exemplares e portanto será expectável que dentro de algumas décadas colonize a vizinha Cordilheira Cantábrica, de onde se extinguiram por volta da década de 60. Mas a Fundación para la Conservación del Quebrantahuesos e o organismo Parques Nacionales não querem esperar tanto tempo. Para 2008 está programada a solta de exemplares a partir da população pirenaica em pleno Parque Nacional dos Picos da Europa. E assim talvez dentro de meia dúzia de anos teremos mais um símbolo da Conservação da Natureza mundial, uma das aves mais elegantes e com um ciclo de vida dos mais fascinantes a criar a pouco mais de 200 quilómetros do Norte de Portugal.

22 setembro 2007

Contra as torres eólicas no Parque Natural de Montesinho

Parque Natural de Montesinho:
terra de horizontes longínquos e intocados. Até quando?


O Parque Natural de Montesinho (PNM), uma das mais emblemáticas áreas protegidas portuguesas, encontra-se de momento ameaçado pela instalação de aerogeradores ao longo das suas principais serras.
A instalação do maior parque eólico europeu, proposto pela empresa irlandesa Airtricity com o apoio de autarcas locais, levaria à abertura de acessos de grande envergadura nos locais mais remotos e nobres da área protegida ameaçando os seus principais valores naturais. Afectaria directamente a população de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) mais estável de Portugal, perturbaria o território de caça de pelo menos 3 casais de Águia-real (Aquila chrysaetos) e mais importante ainda destruiria o valor derradeiro do PNM: a sua paisagem, a sua beleza agreste e indomável.
Felizmente a proposta inicial de plano de ordenamento desta área protegida proíbe a instalação de torres eólicas. Henrique Pereira, representante do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB), veio declarar: "Vale a pena ponderar o valor económico de duas alternativas: temos um valor importante que é a ideia de Montesinho, jóia da coroa do país, um sitio como não há outro e essa ideia pode trazer fluxos económicos. Acreditamos que a colocação dos aerogeradores pode destruir esse valor".
Tais afirmações enchem-me de esperança e nesta, como noutras situações, espero que a posição do ICNB prevaleça sobre um modelo de desenvolvimento lesivo de valores naturais únicos. Os técnicos do ambiente que têm a seu cargo o plano de ordenamento do PNM estão de parabéns, assumindo com coragem a atitude que mais serve o futuro do país! Espero agora que este governo lhes faça justiça...

17 setembro 2007

A hora do adeus

Cuco-europeu (Cuculus canorus) fotografado num prado de altitude nas montanhas do Alto Sil, Cordilheira Cantábrica.

Para muitas espécies de aves da nossa fauna esta é hora do adeus, a altura de migração para paragens onde o Inverno é uma recordação vaga e o alimento abunda.
Caminhando num prado de altitude próximo ao Parque Natural de Somiedo, em plena Cordilheira Cantábrica, escutei ao longe o inconfundível canto do Cuco-europeu (Cuculus canorus). A paisagem desarborizada e a ajuda de binóculos permitiu-me localizar o exemplar que emitia a vocalização e assim pude observar o seu voo hesitante, de arbusto em arbusto, à procura de alimento por longos minutos. Apesar de se tratar de uma espécie relativamente comum a sua observação é difícil devido ao mimetismo da penugem. Mas naquele fim de tarde, numa das mais belas e preservadas paisagens naturais ibéricas, pude despedir-me da melhor maneira deste característico visitante estival. Boa viagem até à África subsariana e que em 2008 nos possamos ver novamente...

10 setembro 2007

Sabor: o destino inevitável, próprio de um país sem rumo

Vale do Sabor: reduto de vida selvagem desde tempos imemoriais tem o fim anunciado para os próximos meses!

Há opiniões que não devem ser proferidas a quente. Por isso esperei mais de 1 semana para me pronunciar sobre a decisão final de construção de um aproveitamento hidroeléctrico de grande envergadura no Vale do Sabor.
Querem-nos fazer crer que o melhor para o país é a edificação da barragem do Sabor. Querem-nos fazer crer que esta obra pública vai criar mil postos de trabalho que solucionarão os problemas de regressão demográfica do interior transmontano. O Ministro do Ambiente, Francisco Nunes Correia, quer-nos fazer crer que a construção da albufeira irá "trazer algumas consequências negativas que serão mais do que contrabalançadas pelos aspectos positivos" (SIC).
Pois a mim estes senhores não me convencem. Em Portugal a Conservação da Natureza é o parente pobre das prioridades nacionais. Não é algo que surpreenda quando se sabe que são as sociedades mais evoluídas aquelas que dedicam a maior fatia de recursos para a preservação do Meio Ambiente.
Qualquer país do primeiro mundo há muito tempo que já teria declarado o Vale do Sabor não Paisagem Protegida, não Parque Natural, mas sim Parque Nacional! França 7 tem Parques Nacionais, Espanha 14, Portugal apenas 1! O Sabor é dos raríssimos locais do país que reúne as condições necessárias para receber a classificação máxima em termos de protecção do ambiente. Senão vejamos: a maior população de Águia-real (Aquila chrysaetos) em território exclusivamente português, uma das maiores densidades de Águia-de-Bonneli (Hieraaetus fasciatus) a nível mundial, populações estáveis de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), de Lontra (Lutra lutra) e de Gato-montês (Felis silvestris). E mais: Abrutre-do-egipto (Neophron percnopterus), Cegonha-negra (Ciconia nigra), Grifo (Gyps fulvus) ou Bufo-real (Bubo bubo) todos apresentam neste vale importantes efectivos populacionais. A lista continuaria indefinidamente: os mais extensos e bem conservados azinhais e sobreirais de Trás-os-Montes, um elevado número de endemismos, etc., etc.
Que vão então os portugueses fazer a um dos seus últimos paraísos? Destrui-lo irremediavelmente! Que diz o nosso Ministro do Ambiente, supostamente aquele que deveria colocar os valores naturais à frente dos interesses económicos? Avance-se com a obra... Pois na minha opinião Sr. Ministro não há protocolo de Quioto, não há plano de redução da emissão de gases estufa, que justifique a destruição de 60 quilómetros do mais preservado vale do país quando sabemos que na melhor das expectativas esta barragem só irá produzir 0,6% da energia consumida em Portugal. Democraticamente lhe digo Sr. Ministro que estou cansado da sua subserviência relativamente ao lobby energético. Democraticamente lhe digo Sr. Ministro que lhe falta a coragem necessária para enfrentar interesses instalados em prol do Ambiente que em primeira instância deveria defender...
Termino com uma mensagem para as populações locais: não se iludam com os mil postos de trabalho. Estes serão temporários e a construção da barragem por si só não se traduz em riqueza para os seus afectados. Várias situações de expectativas não cumpridas poderiam ser referidas: Alto Lindoso, Vilarinho das Furnas, Picote, apenas para citar algumas.
Deixo um exemplo do que poderia e deveria ser uma alternativa à albufeira: no Principado das Astúrias (Norte de Espanha) o concelho de Somiedo era uma remota região montanhosa vergada à desertificação... até há 15 anos atrás. Nessa altura a população apoiou a criação de um Parque Natural, foi promovida a protecção do Urso-pardo (Ursus arctos) convertido em emblema dessas serras, surgiram casas de turismo de habitação, restaurantes, lojas de produtos locais, passeios pedestres organizados. Hoje Somiedo está entre os concelhos mais ricos das Astúrias e os ursos aumentaram a sua população. Trata-se de uma riqueza sustentada que perdurará no tempo. Vendem algo que cada vez existe menos: conforto e bem-estar numa paisagem intocada e bravia. Resistiram à tentação das barragens, da energia eólica, das estações de esqui... e ganharam! Poderia o mesmo modelo desenvolvimento ter sido aplicado no Baixo Sabor? Claro que sim... E em vez dos mil postos de trabalho durante o pouco tempo que dura a construção da barragem teríamos umas largas centenas de empregos que perdurariam por décadas... além dum país de que nos poderíamos orgulhar!

27 agosto 2007

No meio dos Javalis

Fêmea de Javali (Sus scrofa) observa-me atentamente enquanto a sua prole alcança a segurança.

Conforme se pode facilmente constatar pela fotografia esta fêmea ainda se encontra a amamentar as suas crias (clique com o botão esquerdo do rato sobre a imagem para ampliá-la).

Uma das situações mais delicadas que pode suceder a qualquer amante da Natureza numa caminhada pelas nossas serras diz respeito ao encontro imediato com uma vara de Javalis (Sus scrofa).
Em locais com baixo índice de furtivismo e boa cobertura vegetal é relativamente frequente observarem-se nesta altura do ano grupos familiares constituídos por 1 ou 2 fêmeas acompanhadas pela respectiva prole. Na maioria das ocasiões os suídeos limitam-se a continuar o seu caminho, por vezes iniciando uma fuga a toda a velocidade. Pode contudo suceder que uma das fêmeas devido ao nosso posicionamento inadvertido nos considere uma ameaça real para as suas crias. Nessa altura ela não foge: antes encara-nos permitindo assim que os seus filhotes alcancem a segurança. Inclusivamente pode-se decidir por uma carga sobre o incauto naturalista!
Estes momentos de enfrentamento (que feliz ou infelizmente já tive a oportunidade de experimentar) são instantes inesquecíveis, carregados de tensão. Correspondem a raras circunstâncias que nos obrigam a recordar que a fauna ibérica, apesar de milénios de condicionamento e temor ao Homem, não pertence a ninguém e transporta ainda bem viva a centelha da liberdade...

20 agosto 2007

Final de tarde de Agosto


Estamos em Agosto e por esta altura do ano, principalmente no interior do país, o verde da Primavera deu já lugar ao tom amarelado característico das terras que experimentam um acusado défice hídrico. A chegada do estio está associada às primeiras incursões dos juvenis das diferentes espécies para o exterior das suas tocas ou ninhos. Enquanto os herbívoros anseiam por melhores pastagens, os carnívoros regozijam-se com a abundância de presas inexperientes.
Ao forte calor do meio do dia sucedem com frequência na alta montanha tempestades tão breves quanto violentas. Após minutos de intensa precipitação e em que a queda de relâmpagos constitui uma ameaça real para todos os seres vivos, a Natureza como que se arrepende dos seus excessos proporcionando imagens de grande beleza e serenidade como a que está reproduzida acima.
Dificilmente haverá melhor final de tarde do que o de um dia longo de Agosto...

16 agosto 2007

A perdiz-comum


Progenitora e cria de Perdiz-comum (Alectoria rufa) fotografadas este Verão num refúgio de caça do Norte de Portugal.

A Perdiz-comum (Alectoris rufa) é uma das principais espécies cinegéticas da fauna ibérica. Amplamente distribuída, trata-se de uma ave capaz de se adaptar a diferentes habitats e franjas altitudinais alcançando as maiores densidades na paisagem tipicamente mediterrânea do Sul de Portugal e rareando nas montanhas do Norte.
Alimenta-se sobretudo de sementes e folhas de plantas silvestres ou cultivadas (como gramíneas ou leguminosas); com frequência as crias no decurso da Primavera consomem também um número apreciável de insectos.
Estima-se que existirão mais de 2 milhões de exemplares em toda a Península Ibérica constituindo uma das principais presas-chave, fundamental para o regime alimentar de espécies ameaçadas de extinção como a Águia-real (Aquila chryseatus) ou Águia-perdigueira (Hieraaetus fasciatus). Esperemos que esta progenitora e a sua cria, fotografadas num dos raros refúgios de caça portugueses, possam sobreviver à perseguição venatória que decorrerá entre 5 de Outubro e 30 de Dezembro, de forma a poderem desempenhar o seu papel ecológico da forma mais natural possível...

09 agosto 2007

Explorações mineiras: cicatrizes na paisagem

Mina a céu aberto localizada no Principado das Astúrias próximo à Reserva da Biosfera da UNESCO de Muniellos, bastião da principal população de Urso-pardo (Ursus arctos) da Península Ibérica.

Aspecto actual das minas de volfrâmio de Portelo no Parque Natural de Montesinho, onde decorre um projecto de recuperação ambiental.


Nas montanhas da Península Ibérica ainda são relativamente frequentes as cicatrizes na paisagem provocadas por explorações mineiras actuais ou passadas.
Na Cordilheira Cantábrica por exemplo, habitat de espécies tão ameaçadas como o Urso-pardo (Ursus arctos) ou o Galo-montês (Tetrao urogallus), co-existem a poucas centenas de metros dos locais de criação destes animais minas a céu aberto, feridas abertas nas encostas florestadas que chegam a atingir quilómetros de diâmetro.
Em Portugal, em pleno Parque Natural de Montesinho as antigas minas de volfrâmio de Portelo, localidade fronteiriça no coração desta área protegida, embora desactivadas há mais de 20 anos ainda hoje marcam a paisagem com centenas de poços distribuídos por uma área de 15 hectares que colocam em risco a segurança das populações e da fauna protegida do parque. Mas este panorama está a mudar: actualmente decorrem trabalhos com vista ao encerramento das cavidades e à recuperação ambiental desta vertente da Serra de Montesinho.
Parabéns à Câmara Municipal de Bragança responsável pela iniciativa a qual devolve a dignidade perdida a uma das mais belas montanhas portuguesas. Espero contudo que os responsáveis políticos locais sejam coerentes e que depois do grande esforço económico envolvido neste projecto (fala-se em mais de 1,5 milhões de euros) não deitem tudo a perder instalando dezenas de aerogeradores na cumeada da serra arruinando assim o maior valor desta região: a sua paisagem belíssima, única no país...

30 julho 2007

Lontra: a super-predadora dos nossos rios

A Lontra-europeia (Lutra lutra) habita os rios portugueses menos poluídos rodeados de abundante vegetação ribeirinha.

Em Portugal encontra-se uma das principais populações de Lontra (Lutra lutra) de toda a Europa. Este mamífero dotado de incrível agilidade e curiosidade inesgotável habita na maior parte do território nacional apresentando o estatuto de conservação de Pouco Preocupante segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal.
Vales remotos e sossegados, praias desertas rodeadas por costas rochosas escarpadas ou lagoas de altitude são potenciais locais de ocorrência do super-predador dos meios húmidos. Observá-la, como para todos os mamíferos da nossa fauna, requer conhecimento do terreno, bastante paciência e... sorte!
O autor destas linhas foi recentemente bafejado pela fortuna: caminhando na Paisagem Protegida da Lagoa de Bertiandos e São Pedro de Arcos no concelho de Ponte de Lima e observando o Rio Estorãos (afluente da margem direita do Rio Lima) surgiram a certa altura 2 lontras. Durante alguns segundos "brincaram" uma com a outra tentando capturar-se e mergulhando para apanhar objectos. A certa altura aperceberam-se da minha presença e rapidamente desapareceram. Momentos fugazes mas inesquecíveis para qualquer amante da Natureza.
Esperemos que os nossos rios mantenham condições para continuar a suportar esta espécie, verdadeiro símbolo da fauna lusitana.

20 julho 2007

A infância de uma Águia-real portuguesa

Obtida ao pôr-do-sol e desde uma grande distância para não perturbar a ave, esta imagem revela em toda a sua fragilidade a infância de um dos mais fantásticos super-predadores portugueses:
a Águia-real (
Aquila chrysaetos)...

O dia chegava ao fim e a tranquilidade daquele vale remoto do interior transmontano apenas era quebrada pelo voo ocasional de um Papa-figos (Oriolus oriolus). No rio por baixo de mim a água corria límpida e um Melro-d´água (Cinclus cinclus) mergulhava incessantemente tentando capturar o maior número de invertebrados para alimentar a sua prole. Apesar do calor que se fazia sentir e do trilho por onde caminhava conduzir até ao convidativo curso de água, detive-me a meia encosta contemplando a imponente escarpa que se elevava na margem oposta. Perante mim surgiam 2 fantásticas construções, praticamente contíguas, localizadas nas fendas mais inacessíveis: lenha acumulada durante anos constituía a matéria-prima de 2 ninhos de dimensões inesperadas, ambos com mais de 5 metros de altura e outro tanto de largura. Quem no passado tenha visto um ninho semelhante sabe que apenas uma das nossas aves, a mais poderosa, seria capaz de tal façanha: encontrava-me perante o local de nidificação da Águia-real (Aquila chrysaetos).
Sentei-me a contemplar os ninhos. Olhei para o céu, depois para as principais árvores e para os poisos situados na linha do horizonte tentando encontrar a rainha das aves mas sem sucesso. Peguei então nos binóculos e apontei-os para os gigantescos ninhos: no mais discreto, no mais resguardado, um aguioto já de apreciável tamanho devolvia a minha curiosidade fixando-me com o seu olhar de rapina.
Lá em baixo a água continuava a correr por entre as margens recobertas de zimbro, ao fundo um belíssimo castelo testemunha de duras batalhas pela posse desta terra dominava a paisagem e eu, aconchegado pelo olhar ingénuo da jovem águia-real e pelo vento quente de uma tarde de Verão, sentia-me feliz por ser português e ainda existirem locais assim em Portugal...

12 julho 2007

O declínio das abelhas


Imagens cada vez menos frequentes nas nossas serras:
Abelha (Apis mellifera) a preparar-se para recolher o néctar
e colmeias repletas de mel.


Nos últimos anos e de forma inexplicável as populações mundiais de Abelha (Apis mellifera) têm diminuído acentuadamente sem que se conheçam as causas para tal situação.
Em Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Estados Unidos ou Argentina as abelhas saem da colmeia para recolher o néctar e não voltam à colónia, desaparecendo simplesmente sem deixar rasto.
Entre as explicações avançadas para tal declínio encontram-se a diminuição da biodiversidade botânica, a seca provocada pelas alterações climáticas, a existência de parasitas agressivos que infectam estes insectos ou as radiações emitidas por antenas de telemóvel ou cabos de alta tensão que eventualmente interferem com o sistema de navegação das abelhas e impedem o seu regresso às colmeias.
Seja qual for a causa, a verdade é que o seu desaparecimento teria enormes repercussões no mundo tal como hoje o conhecemos. Em vastas áreas as abelhas constituem o único polinizador conhecido pelo que a sua ausência poderia levar a uma perda de mais de 30% da biodiversidade. Para bem da Humanidade esperemos que esta regressão populacional se inverta rapidamente e que tal previsão nunca se concretize...

06 julho 2007

Picanço-real: de espécie comum a ameaçada


Juvenis de Picanço-real (Lanius meridionalis) observados na Serra de Montesinho.

O Picanço-real (Lanius meridionalis), juntamente com o Picanço-de-dorso-ruivo (Lanius collurio) e o Picanço-barreteiro (Lanius senator), constitui uma das 3 espécies de picanços que se podem observar em Portugal, sendo a única residente no nosso país durante todo o ano. A sua designação latina é uma referência ao hábito que estas aves apresentam de empalarem as suas presas (habitualmente escaravelhos, borboletas ou abelhas) em espinhos ou arame farpado de forma a armazenarem ou despedaçarem os alimentos capturados.
O picanço-real é uma espécie típica de habitats abertos pelo que não é comum encontrá-lo em zonas florestadas. Mas há excepções... No dia 30 de Junho caminhava num extenso pinhal de Pinheiro-bravo (Pinus pinaster) da Serra de Montesinho em que as clareiras escasseiam quando subitamente deparei com 4 (!) picanços-reais. Uma observação mais atenta permitiu-me constatar que se tratava de 2 adultos e de 2 crias, provavelmente saídas há pouco do ninho. Pude então admirar detalhadamente esta elegante ave que embora ainda seja relativamente comum na Península Ibérica (especula-se que existirão mais de 200 mil casais reprodutores) tem apresentando nos últimos anos um declive populacional acentuado. Espero nos próximos anos continuar a testemunhar o êxito reprodutivo da agora por mim denominada "família de picanços do pinhal de Montesinho".

04 julho 2007

Papoila: uma das mais belas flores silvestres

A papoila-silvestre (Papaver rhoeas).

Chegados a Junho é habitual encontrar um pouco por todo o país, nas margens das estradas ou em campos de cereais, uma das nossas mais belas flores silvestres: a papoila.
Beneficiando notavelmente da menor utilização actual de pesticidas esta flor de grandes pétalas vermelhas prospera em vários locais onde até há pouco se encontrava ausente.
Embora se trate de uma espécie delicada que por vezes perde as suas pétalas num único dia por acção, por exemplo, de um vento mais forte nem por isso é presa fácil. De facto encontra-se provida de um eficaz sistema de defesa que impede o seu consumo por animais de pasto: as suas folhas produzem uma seiva leitosa com várias substâncias venenosas o que se traduz num sabor amargo e repulsivo. Essa mesma seiva contém um alcalóide de reconhecidas propriedades sedativas.

02 julho 2007

Evolução das populações de aves de rapina na Península Ibérica (7)

A Coruja-do-mato (Strix aluco) é provavelmente a ave de rapina nocturna mais frequente das montanhas do Norte de Portugal.

(conclusão do post anterior)

A Coruja-do-mato (Strix aluco) é uma bela ave de rapina nocturna distribuída por todo o país mas que frequenta principalmente as florestas maduras de coníferas e caducifólias das serras nortenhas. É uma ave sedentária com dispersão juvenil. Presume-se que na Península ibérica existam mais de 50 mil casais reprodutores e que a tendência populacional seja de aumento.

O Bufo-pequeno (Asio otus) é uma rapina com morfologia aproximada ao Bufo-real (Bubo bubo) contudo apresenta cerca de metade do tamanho deste último. É uma espécie bastante discreta e pouco frequente com predilecção pelas superfícies florestais nomeadamente pinhais, carvalhais, soutos e montados. É sedentária verificando-se migração invernal de aves do Norte da Europa. Em Portugal e Espanha especula-se que existam cerca de 5 mil parelhas reprodutoras contudo os Livros Vermelhos dos Vertebrados de ambos os países não se comprometem sobre o seu estatuto de conservação, declarando não estarem reunidos os dados suficientes para avaliar com exactidão o risco de extinção da espécie.

A Coruja-do-nabal (Asio flammeus) ao contrário das outras rapinas nocturnas aqui referidas prefere os terrenos abertos para caçar, nidificando frequentemente no solo. Por vezes está activa durante o dia chegando a caçar em grupo. Na Península ibérica apenas é reprodutora e de forma esporádica no Norte de Espanha; refira-se contudo que o número de casais nidificantes pode aumentar espectacularmente em anos de praga de Toupeira (Talpa occidentalis), como é o caso de 1994 e provavelmente agora de 2007... Em Portugal não chega a nidificar recebendo o nosso país exemplares invernantes do Oeste da Europa, que se estabelecem principalmente em zonas húmidas como os estuários do Sado, Tejo, Mondego ou as rias de Aveiro, Formosa ou Alvor. Segundo a SEO/Birdlife em Espanha o seu estatuto de conservação é de "Quase ameaçado" e em Portugal o nosso Livro Vermelho dos Vertebrados atribui-lhe a classificação de "Em Perigo de Extinção".

Com este post concluo o resumo da situação actual e tendência populacional das principais aves de rapina diurnas e nocturnas da Península Ibérica.

22 junho 2007

Evolução das populações de aves de rapina na Península Ibérica (6)

Exemplar de Bufo-real (Bubo bubo).

(continuação do post anterior)


O Mocho-galego (Athene noctua) é possivelmente a rapina nocturna mais avistada durante o dia graças ao seu hábito de pousar em postes que ladeiam as estradas ou telhados de habitações. Como habitat prefere as paisagens abertas de clima mediterrâneo, evitando os bosques densos e as zonas de montanha. Na Península Ibérica é uma espécie comum contabilizando-se mais de 50 mil casais reprodutores contudo admite-se que ao longo dos últimos cinco anos a sua população se encontre em declive.

O Bufo-real (Bubo bubo) é a maior das aves de rapina nocturnas, impressionando pela sua grande envergadura e garras poderosas. Em Portugal distribui-se pelo interior Transmontano, Beira Interior, interior Alentejano e Algarve. A população ibérica compreende mais de 3 mil parelhas reprodutoras apresentando uma tendência global de aumento entre os anos 2000 e 2005. Encontra-se classificado como "Quase Ameaçado" no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal e como "Pouco Preocupante" no Libro Rojo dos Vertebrados de España.

(continua no próximo post)

15 junho 2007

Evolução das populações de aves de rapina na Península Ibérica (5)

Mocho-d´orelhas (Otus scops) adulto.
(continuação do post anterior)

A Coruja-das-torres (Tyto alba) é uma das aves de rapina nocturnas mais comuns. É frequente avistá-la em voo a baixa altitude sobre as estradas que atravessam prados e campos agrícolas, o que a torna vítima frequente de atropelamentos. Estima-se que em toda a Península Ibérica existam entre 50 a 100 mil casais reprodutores, especulando-se que a sua população esteja em declive devido ao abandono das actividades agrícolas tradicionais e ao uso de pesticidas. No "Libro Rojo de los Vertebrados de España", editado em 2004, considera-se que esteja "Em Perigo de Extinção". Curiosamente no "Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal", editado em 2006, o seu estatuto de conservação é de "Pouco Preocupante"...

O Mocho-d´orelhas (Otus scops) é a mais pequena das rapinas nocturnas ibéricas. Visita-nos no Verão enchendo as noites com a sua belíssima vocalização. É mais comum a Norte de Portugal que no Sul e prefere as zonas de baixa altitude evitando os maciços montanhosos. Entre os anos 2000 e 2005 a sua população peninsular manteve-se nos 30 mil casais reprodutores contudo a informação sobre a espécie é escassa o que dificulta a determinação da sua viabilidade a médio/longo prazo.

(continua no próximo post)

08 junho 2007

Evolução das populações de aves de rapina na Península Ibérica (4)

Águia de Bonelli (Hieraaetus fasciatus) no ninho.

(continuação do post anterior)

A Águia-cobreira (Circaetus gallicus) é um visitante estival proveniente da África tropical e que se distribui pelas principais montanhas ibéricas. Existem em Portugal e Espanha cerca de 2000 casais reprodutores cujo efectivo se manteve estável ao longo dos últimos cinco anos.

A Águia-calçada (Hieraaetus pennatus) conta na Península Ibérica com aproximadamente quatro mil casais reprodutores, número este que se tem mantido estável neste início de milénio. É um visitante estival que prefere a metade ocidental peninsular alcançando no nosso país as maiores densidades populacionais no Alto Alentejo.

A Águia-perdigueira ou Águia de Bonelli (Hiaraaetus fasciatus) é um dos tesouros da Fauna Ibérica. É uma ave de rapina de silhueta aproximada à águia-real, grande e forte, com asas mais curtas. Em Portugal distribui-se principalmente pelo Alto Douro, Vale do Sabor, Tejo Internacional e Alentejo. Embora prefira escarpas para instalar os seus ninhos esta tendência é contrariada nas serras do sudoeste alentejano onde a nidificação se verifica em árvores de grande porte. Classificada como "Em Perigo de Extinção" a nível europeu, a sua população decresceu na Península Ibérica das 700 a 800 parelhas reprodutoras no ano 2000 para as 650 a 700 no ano 2005.

(continua no próximo post)

28 maio 2007

Evolução das populações de aves de rapina na Península Ibérica (3)

Exemplar adulto de Falcão-abelheiro (Pernis apivorus)

(continuação do post anterior)

O Açor (Accipiter gentilis) é uma ave de rapina pouco comum que se distribui principalmente pelo Norte e Centro de Portugal. Prefere meios florestais, nomeadamente carvalhais e pinhais, intercalados com clareiras (aspecto "em mosaico" da paisagem). Em toda a Península Ibérica existirão entre 3500 a 6500 casais reprodutores segundo os dados da Sociedade Espanhola de Ornitologia/Birdlife.

O Gavião (Accipiter nisus), morfologicamente aparentado com o açor mas de dimensões mais reduzidas, é menos exigente que este último no que respeita ao território que elege para nidificar. Assim é possível encontrar o gavião em pequenas florestas de carvalho ou de pinheiro-bravo compostas por árvores ainda jovens, principalmente no Norte e Centro do nosso país. Para a Península a estimativa populacional é de entre 6 a 10 mil parelhas reprodutoras.

A Águia-de-asa-redonda (Buteo buteo) é a mais comum de todas as nossas aves de rapina. Conforme se pode comprovar visitando o polaco Parque Nacional de Bialowieza, que compreende a maior e mais preservada floresta das terras baixas da Europa, trata-se de uma ave eminentemente florestal mas que no nosso país adaptou-se a sobreviver em terrenos abertos e bosques residuais. Mais de 15 mil casais povoam os céus de Portugal e Espanha e é frequente observá-la pousada nas árvores ou nos postes que ladeiam as estradas.

O Falcão-abelheiro (Pernis apivorus) é um visitante estival das montanhas do extremo Norte português, nomeadamente das serras da Peneda, Gerês, Larouco, Alvão/Marão e Nogueira, estando em comunicação com os principais núcleos reprodutores das cordilheiras Cantábrica e Pirenaica. De forma menos frequente surge também mais a Sul principalmente associado a montados de sobro. Com características muito próximas à conspícua águia-de-asa-redonda distingue-se desta pela cabeça fina e acinzentada e pela cauda com 2 bandas junto às patas. Por toda a Península contam-se menos de 1000 parelhas pelo que o falcão-abelheiro, assim chamado pelo hábito de desenterrar ninhos de vespas, é uma ave com estatudo de conservação desfavorável, classificada como "vulnerável".

(continua no próximo post)

22 maio 2007

Evolução das populações de aves de rapina na Península Ibérica (2)

Peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus), colonizador recente do Interior Centro e Interior Norte de Portugal.

(continuação do post anterior)

O Milhafre-real (Milvus milvus) é na actualidade uma das rapinas mais ameaçadas da Península Ibérica. Entre os anos 2000 e 2005 a sua população baixou de cerca de 3 a 4 mil casais reprodutores para pouco mais de 2 mil. Está classificado na categoria "Em perigo de extinção" segundo o Libro Rojo de las Aves de España e "Criticamente em perigo" pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, onde se estima uma população residente de cerca de 50 animais. As causas para este declínio não estão completamente esclarecidas embora se possa referir a utilização de iscos envenenados para controlo de predadores, nomeadamente do Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) nas serras do Norte português, como um dos principais factores de declínio.

O Peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus), uma das mais belas aves da nossa fauna associada a montados abertos de sobro (Quercus suber) encontra-se em aumento populacional. Segundo a Sociedade Espanhola de Ornitologia/Birdlife existirão na actualidade entre 500 a 1000 parelhas reprodutoras distribuídas pelos dois países. Em Portugal merece particular referência a recente expansão desta espécie para a província de Trás-os-Montes.

O Tartaranhão-ruivo-dos-pauis (Circus aeruginosus), a ave de rapina por excelência das zonas húmidas ibéricas, também atravessa um bom momento. Nos últimos 5 anos o número de casais reprodutores aumentou de aproximadamente 500 para mais de 850. A ria de Aveiro e os estuários do Tejo e do Sado constituem locais privilegiados para a sua observação no nosso país, principalmente no Inverno quando somos visitados por aves provenientes do Centro e Norte da Europa.

O Tartaranhão-azulado (Circus cyaneus) apresenta neste início de milénio um efectivo estabilizado em Espanha de cerca de 1000 parelhas reprodutoras. Em Portugal a sua situação é menos favorável: a população reprodutora, confinada às zonas mais agrestes das serras nortenhas, é exígua (menos de 20 casais?). Está classificado entre nós como "Criticamente em perigo" e a sua extinção como nidificante pode tornar-se uma realidade a curto/médio prazo.

O Tartanhão-caçador (Circus pygargus), visitante estival dos nossos campos de cereais, encontra-se provavelmente em aumento populacional. Quatro mil casais distribuem-se pela Península Ibérica, principalmente na metade Oeste. Nas terras lusas o abandono da cerealicultura extensiva pode comprometer o futuro desta espécie pelo que se justifica a classificação de "Em perigo de extinção" atribuída pelo Livro Vermelho dos Vertebrados. Portugal concentra cerca de 1/10 da população europeia constituindo a zona de Castro Verde um dos seus principais redutos.

(continua no próximo post)

15 maio 2007

Evolução das populações de aves de rapina na Península Ibérica (1)

Casal de Águia-imperial ibérica (Aquila adalberti)

Em Julho do ano 2000 foi publicado o "Guía das las Aves de España - Península, Baleares y Canarias", edição da Sociedade Espanhola de Ornitologia (SEO). Nesse pequeno livro apresentavam-se mapas de distribuição e estimativas populacionais de todas as aves presentes não só em Espanha mas também em Portugal Continental tendo por base mais de 20 anos de trabalho de campo da SEO/Birdlife.
Cinco anos depois, em Dezembro de 2005, foi apresentada a 2ª edição que utilizou o mesmo rigor de amostragem do livro original. Comparando os dois trabalhos é possível constatar a evolução das populações das diferentes espécies de aves da Península Ibérica neste início de milénio. Falarei neste e nos próximos post sobre a situação actual das aves que desde sempre mais fascinam o Homem: as rapinas.

Começando pela rainha das aves verifica-se que em 2000 existiam em Portugal e Espanha cerca de 1200 casais reprodutores de Águia-real (Aquila chrysaetos); cinco anos depois esse número aumentou para 1400 casais. No mapa de distribuição verifica-se uma diminuição da sua frequência no Noroeste português de acordo com a situação difícil que esta ave enfrenta no Parque Nacional da Peneda-Gerês.

A mais ameaçada das rapinas continua a ser a Águia-imperial ibérica (Aquila adalberti). Os seus efectivos aumentaram consideravelmente contudo o valor total ainda é perigosamente baixo: em 2000 existiam 120 casais; em 2005 esse número aumentou para mais de 200 o que reflecte a existência de novos locais de nidificação, incluindo o Alto Alentejo.

A ave mais rápida do mundo vive um dos seus melhores momentos. O Falcão-peregrino (Falco peregrinus) aumentou neste período de tempo de 1700 para cerca de 2500 casais. O Noroeste português (a densidade de falcão-peregrino no Parque Nacional da Peneda-Gerês é impressionante...) e a Costa Vicentina, para além do vale do Douro, assumem-se como os principais bastiões da espécie no nosso país.

O Peneireiro-das-torres (Falco naumanni) aumentou significativamente a sua população: passou de 8000 parelhas reprodutoras para cerca de 20000 casais! Este incremento deveu-se principalmente à sua evolução favorável no Oeste Andaluz (onde inclusivamente inverna). Em Portugal a sua mancha de distribuição é muito pequena, encontrando-se cerca de 80% dos efectivos nas Zonas de Especial Protecção para as Aves de Castro Verde e Vale do Guadiana, o que a torna particularmente vulnerável.

(continua no próximo post)

26 abril 2007

Parque Natural de Montesinho ou Parque Eólico de Montesinho?

Lagoa de Guadramil.
Localizada no extremo Oriental do Parque Natural de Montesinho é testemunha de um equilíbrio natural secular entre as populações de Veado (Cervus elaphus) e Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), caso único em Portugal.

O Parque Natural de Montesinho localiza-se no extremo Nordeste de Portugal abrangendo uma área de mais de 74 mil hectares e encerra uma imensa riqueza natural e cultural.
É uma das áreas para a fauna mais importantes da Europa. Aqui habitam 250 espécies de vertebrados, alcançam-se as maiores densidades de Lobo (Canis lupus) de todo o Velho Continente, as cumeadas e os lameiros são percorridos por mais de 160 espécies de aves, entre as quais se contam as raríssimas Águia-real (Aquila chrysaetos), Cegonha-negra (Ciconia nigra) ou Tartaranhão-azulado (Circus cyaneus), os ribeiros de montanha apresentam as melhores populações nacionais da escassa Toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus) e são exclusivas várias espécies de borboletas como a Lycaena virgaureae ou a Brenthis daphne.
Montesinho é também sinónimo de vida em comunidade. Neste Parque Natural, como em nenhum outro local do nosso país, existem hábitos comunitários que tem por base o auxílio e a fruição conjunta de bens podendo-se citar o exemplo do rebanho comum de Rio de Onor. As Festas dos Rapazes por altura do solstício de Inverno remetem para tempos anteriores à cristianização e estão associadas a um misticismo belo e primitivo em que se celebram os rituais de passagem e a integração na vida adulta.
Por tudo isto e por muito mais as Serras de Montesinho e da Coroa, as suas aldeias e o modo de vida que representam estão protegidas por lei. O Decreto de Lei nº 355/79, criou o Parque Natural de Montesinho porque "a riqueza natural e paisagística do maciço montanhoso Montesinho - Coroa e os valiosos elementos culturais das comunidades humanas que ali se estabeleceram justificam que urgentemente se iniciem acções com vista à salvaguarda do património e à animação sócio - cultural das populações". Pela Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97 foi criado o Sítio "“Montesinho - Nogueira” (Sítio de Importância Comunitária - SIC - Rede Natura 2000). Finalmente o Decreto de Lei nº 384-B/99 definiu a Zona de Protecção Especial para Aves Selvagens das “Serras de Montesinho - Nogueira”.

É neste espaço único de Portugal, mais precisamente no seu centro nevrálgico onde se encerram as maiores riquezas naturais e portanto onde a protecção perante actividades transformadoras do meio deve ser maior, que está planeado aquele que os promotores definem como o "maior parque eólico europeu". A adjectivação de "segunda Auto-Europa em Portugal" é por demais elucidativa do impacto deste empreendimento fortemente apoiado pelo poder autárquico local. Segundo o Presidente da Câmara de Bragança "este projecto necessita de muita cooperação institucional e de abertura por parte do Governo e nada de fundamentalismos". As notícias avançadas na comunicação social afirmam que o parque eólico entrará em funcionamento já em 2009, que a sua concretização estancará a perda de população das aldeias inseridas no Parque Natural de Montesinho e que em termos ambientais os estragos não serão significativos pois já existem parques eólicos em funcionamento na vertente espanhola.
E assim tudo isto é apresentado como um facto consumado, a construção deste gigantesco parque eólico numa das áreas
mais preservadas do nosso país parece inevitável.

Contudo, como muitas vezes acontece, entre aquilo que é dito e a realidade existe uma grande diferença. Vejamos:
- O mega parque eólico de Montesinho não será nunca uma segunda Auto-Europa. Conforme referem os próprios promotores quando em funcionamento assegurará entre 45 e 50 postos de trabalho, muito distante portanto dos mais de 7000 empregos directos e indirectos criados pela fábrica de Palmela.
- Na vertente espanhola existem de facto parques eólicas mas nenhum, repito, nenhum se inclui numa área protegida.
No Parque Natural do Lago de Sanábria próximo a Montesinho não se encontra qualquer aerogerador. Também na vizinha Reserva Regional de Caça da Serra da Culebra, que ostenta um estatuto de protecção ambiental bastante inferior ao Parque Natural português, estão excluídos os parques eólicos. Os espanhóis apoiam a energia eólica mas sempre fora das suas áreas protegidas.
- O empreendimento eólico afectará todo o Parque Natural de Montesinho uma vez que está prevista a instalação de aerogeradores nos terrenos das aldeias de Montesinho, Rio de Onor, Guadramil, Travanca, Pinheiro Novo, Vilarinho, Zeive, Soutelo e Mofreita. Serão rasgados acessos em todas as vertentes das Serras da Coroa e Montesinho, a flora será destruída e a fauna terá que abandonar o local. Os estradões perdurarão durante décadas, a perturbação humana alcançará os recantos mais remotos, abre-se a porta à caça furtiva. Montesinho deixará de ser um local adequado para a usufruição da Natureza e
inevitavelmente o turismo será afectado com prejuízo para os habitantes locais.
- Por último: alguma vez aldeias cercadas por torres eólicas poderão impedir a desertificação do interior transmontano? Por acaso o projecto eólico permitirá rejuvenescer os idosos ou criar oportunidades para os jovens comparáveis às dos
grandes centros do litoral? Parece-me que o argumento demográfico se reveste de uma profunda desonestidade intelectual até porque os parques eólicos no nosso país não se constroem próximo a grandes aglomerados urbanos mas antes em locais de baixa densidade populacional.

No fim de contas Portugal encontra-se perante um dilema: ou se constrói o maior parque eólico europeu ou se preserva umas das melhores áreas protegidas europeias. Não há meio-termo. A construção do projecto eólico deve desclassificar imediatamente o Parque Natural de Montesinho pois realisticamente não é possível preservar a biodiversidade num gigantesco estaleiro. Se a opção recair sobre a conservação do Parque Natural então a iniciativa eólica, à semelhança do que ocorre nos restantes países europeus, deve definitivamente ficar afastada das áreas protegidas nacionais.

Termino com uma pergunta:
visto que as áreas protegidas portuguesas (incluindo a Rede Natura 2000) ocupam cerca de 21% do território nacional não sobrará espaço suficiente para a construção de parques eólicos nos restantes 79%?