27 outubro 2006

Javali: um caso de sucesso

Javali (Sus scrofa) fotografado a cerca de 500 metros de distância do local de criação de uma alcateia de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) no Nordeste Transmontano.
Javalis caminhando sobre um cume nevado do Parque Nacional de Ordesa y Monte Perdido, nos Pirinéus, a mais de 2500 metros de altitude.
Cria de javali fotografada no interior de um carvalhal no maciço montanhoso Alvão/Marão.

É um resistente. Da quase extinção no início do século XX à colonização de praticamente todo o território de Portugal Continental no início do século XXI. Na actualidade e de forma legal são abatidos no período entre Outubro e Fevereiro mais de 14 mil (!) Javalis (Sus scrofa) e muitos mais perecerão à conta da caça furtiva, de doenças naturais ou vítima de predadores. Este suídeo, contudo, persiste. E porquê?
Embora não se encontre seguramente entre os mamíferos mais atractivos da nossa fauna somos obrigados a reconhecer e admirar as suas qualidades. Presente nas serranias agrestes do Norte de Portugal, no estuário do Minho ou no extenso montado alentejano, o javali demonstra uma fantástica capacidade de adaptação a meios de diferentes características, ímpar entre os animais de grande porte. O regime alimentar omnívoro, bastante diversificado, e uma grande capacidade de reprodução alicerçada num elevado número de crias e numa maturidade sexual precoce explicam em parte esta situação.
Mas indubitavelmente um dos factores-chave para a explosão demográfica deste suídeo será a situação precária, por vezes no limiar da extinção, dos seus predadores naturais: Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) e Águia-real (Aquila chrysaetos). O seguimento das populações de lobo e javali ao longo de 5 anos (entre 2001 e 2005) realizado pelos FAPAS (Fondo Asturiano para la Protección de los Animales Salvages) numa área da Cordilheira Cantábrica provou a grande pressão predatória de 3 alcateias sobre os efectivos de javali, o que levou a uma diminuição da população do suídeo entre 5 a 12% ao ano, com benefícios indirectos para espécies ameaçadas como o Urso-pardo (Ursos arctus) ou Galo-montês (Tetrao urogallus).
No meio da polémica sobre a expansão recente da espécie e os prejuízos causados às actividades humanas (leia-se agricultura) derivado de tal facto, um princípio não deverá ser esquecido: o javali é uma espécie-chave dos ecossistemas mediterrâneo e atlântico que, como todas as outras, tem direito próprio à existência. E a sua extinção no nosso país esteve prestes a acontecer há apenas uma geração...

19 outubro 2006

Tragédia silenciosa


A meteorologia segue actualmente o seu curso habitual: as temperaturas baixam, as frentes atlânticas sucedem-se e parece que o tempo chuvoso veio para ficar. Há muito que os incêndios florestais deixaram de ser notícia contudo é nesta altura do ano que as suas consequências são mais gravosas. Enquanto que em Agosto o avanço das chamas consumiu alguns dos mais importantes redutos de bosque autóctone do Parque Nacional da Peneda Gerês, destruindo árvores com centenas de anos de existência, a chuva de Outubro arrasta consigo a camada de solo que sustentava a diversidade vegetal, impossibilitando na prática a regeneração florestal.
Segundo Pedro Galán, biólogo, professor da Universidade da Corunha, numa encosta de inclinação média a chuva arrasta mais de 80 toneladas de terra por hectare. O solo formado ao longo de séculos desaparece em poucas semanas. E deste modo a paisagem belíssima de certas áreas remotas do nosso único Parque Nacional não conseguirá recuperar ao longo das próximas gerações...

14 outubro 2006

A chegada das castanhas


Nesta altura do ano no Norte e Centro de Portugal uma das nossas mais belas árvores caducifólias, o castanheiro (Castanea sativa), presenteia-nos com um fruto irresistível, símbolo do Outono: a castanha.
Desde há várias centenas de anos que o Homem a aprecia. Na Idade Média, antes da chegada do milho e da batata, constituía a base da alimentação da população rural, facto que explica a proximidade dos soutos às aldeias.
Autêntico concentrado energético, o consumo de castanhas permite a uma grande comunidade de aves e mamíferos enfrentar o Inverno nas melhores condições físicas. Com efeito próximo a bosques de castanheiros é comum encontrar rastros de mamíferos esquivos como o Javali (Sus scrofa) ou a Fuinha (Martes foina). Quando se avizinham dias chuvosos com noites longas e frias, no período mais crítico para a fauna ibérica, a Natureza, talvez como compensação, disponibiliza um dos seus melhores manjares.

06 outubro 2006

Auto-estrada eólica


Num dos locais mais belos e remotos da Serra do Alvão foi há dois anos implantado um parque eólico. De visita a essa zona não pude deixar de ficar incomodado: rasgando a serra, atravessando os vales mais recônditos e a zona de cumeada, existe agora uma autêntica estrada (quase auto-estrada...) que foi construída de raiz para o transporte dos gigantescos aerogeradores. Para além do irreversível impacto paisagístico verifica-se agora o trânsito de veículos todo-o-terreno, motorizadas ou mesmo automóveis citadinos por locais de grande valor ecológico. Simultaneamente encontramos uma grande quantidade de detritos por toda a montanha, principalmente ao longo da via de acesso às torres eólicas.
Bem sei que a energia eólica é uma forma de energia renovável e não poluente, necessária ao nosso conforto pessoal e à economia do país mas deixemo-nos de hipocrisias: não a chamem energia verde pois de verde nada tem... que o digam a floresta rasgada ou os prados de altitude cheios de lixo da Serra do Alvão!

01 outubro 2006

Sierra de la Culebra - o imenso território do Lobo



"No tenía par. Ningúm otro lugar podía compararse, en esplendor primigenio, a la Sierra de la Culebra. Allí era de ver la estepa infinita, los horizontes profundos, marcando el límite natural entre Aliste y Sanabria. Sin sentirse arrebatado, allí mismo, por el proprio misterio, no sería uno capaz de conocer la naturaleza y, menos aún, de acceder al conocimiento del lobo." Estas palavras são de Ramón Grande del Brio, um dos maiores estudiosos do Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), e reflecte, de maneira magistral, o encanto da serra europeia onde o lobo alcança a sua maior densidade.
Localizada junto à raia portuguesa, limitada a poente pelo Parque Natural de Montesinho, a Serra da Culebra é uma extensa elevação montanhosa de pequena altura, disposta no sentido NW-SE, que deve o seu nome à forma serpentiforme dos seus cumes. As altitudes oscilam entre os 900 e os 1200 metros, alcançando o valor máximo no pico de Peña Mira, com 1243 metros de altitude.
A paisagem é dominada por bosques de Carvalho-negral (Quercus pyrenaica), pinhais de Pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e Pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris), intercalados por matos e pequenas parcelas cultivadas junto às aldeias. Nesta área com mais de 60 mil hectares, pertencente à rede de Espacios Naturales de Castilla e León, habitam importantes comunidades de herbívoros, como o Veado (Cervus elaphus) com mais de 1200 exemplares, o Javali (Sus scrofa) com cerca de 1000 indíviduos, ou o Corço (Capreolus capreolus). Os 6 grupos familiares de Lobo-ibérico que percorrem a Culebra alimentam-se, quase em exclusivo, destas presas selvagens pelo que este ecossistema constitui um raro exemplo de equilíbrio natural entre presa e predador ainda existente na Península Ibérica.
A todos os amantes da Natureza recomendo vivamente uma visita a esta terra de horizontes sem fim, autêntico paraíso para a fauna.