15 março 2007

Alcateia de Bragança - época de criação 2005/2006 (3/3)

Fundos de vale preservados, mato impenetrável e extensos pinhais constituem o habitat tipo por deambulam os lobos da Alcateia de Bragança.

Pegada de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) próximo ao local de criação.

(continuação do post anterior)

Discussão e Conclusão

O lobo-ibérico é uma espécie com estatuto de conservação desfavorável em Portugal: segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados (ICN, 2006) encontra-se em perigo de extinção. A realização de um censo nacional periódico e o acompanhamento das alcateias ao longo de todo o ciclo anual revelam-se elementos fundamentais para aferir sobre a evolução da população portuguesa deste canídeo selvagem.
No último Censo Nacional de Lobo foi referida a presença da Alcateia de Bragança durante o ano 2002, contudo não foi possível confirmar a sua reprodução. No ano 2003 não foi efectuado o seu seguimento. Assume assim uma maior relevância a realização deste trabalho de campo em que, utilizando uma metodologia semelhante à empregue nesse censo, se confirma pela primeira vez o sucesso da criação desta alcateia no ciclo reprodutivo 2005/2006.
Actualmente encontra-se praticamente concluído o trabalho de acompanhamento deste grupo familiar durante a época de reprodução seguinte (2006/2007) e dentro de alguns meses esses resultados serão novamente apresentados neste blogue. O objectivo final é adquirir o máximo de conhecimento para melhor conservar a espécie e nesse sentido a informação detalhada sobre a Alcateia de Bragança encontra-se desde já disponível para as instâncias oficiais e para as ONG que tem a seu cargo a preservação do lobo-ibérico em Portugal.


Alcateia de Bragança - época de criação 2005/2006 (2/3)

O Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) é um fantasma da noite, que nunca se sabe de onde vem ou para onde vai. Esta imagem, obtida por uma câmara fotográfica automática oculta, ilustra bem a dificuldade de obter o registo de um lobo selvagem.

Foi neste vale remoto que no ano 2005 ocorreu a reprodução da Alcateia de Bragança, coroada de sucesso.


(continuação do post anterior)

Métodos

Entre Abril de 2005 e Março de 2006 foram realizadas saídas de campo mensais (total de 12) em diversos pontos da área de estudo. Nestas jornadas privilegiou-se a deslocação a pé (totalizando mais de 100 km percorridos) prestando-se particular atenção à marcação territorial do lobo ao longo dos principais trilhos, nomeadamente através de dejectos e esgaravatados. Sempre que as condições atmosféricas se apresentavam favoráveis (principalmente ausência de vento) procedeu-se a estações de escuta e fizeram-se esperas para observação directa da espécie. Em locais bastante concretos do território da alcateia procedeu-se à colocação de câmaras fotográficas activadas por sensor de movimento de forma a obter registos fotográficas dos lobos e assim aferir informação adicional, nomeadamente individualização dos seus elementos e determinação indirecta do estado nutricional.

Resultados
No ano 2005 verificou-se a reprodução da Alcateia de Bragança próximo ao limite Sul do seu território, num vale recoberto por um denso matagal de esteva, giesta e urze. A aldeia mais próxima dista cerca de 2 km deste local. Entre os meses de Maio e Outubro o sítio de criação manteve-se imutável o que parece indicar a ausência de perturbação nas imediações deste reduto.
Inicialmente a ocorrência de reprodução foi sugerida pela presença de um número importante de dejectos na envolvência do vale em questão (com um pico de 12 dejectos numa extensão de 2 km durante os meses de Verão). A utilização de câmaras fotográficas automáticas permitiu documentar o trânsito frequente de adultos neste local. A confirmação da reprodução aconteceu apenas a 4 de Fevereiro de 2006: após observação directa de 2 lobos adultos cerca das 17 horas (minutos antes do pôr-do-sol), aguardei pelo cair da noite e finalmente escutei o uivo de pelo menos 3 indivíduos adultos e 5 lobachos.

(continua no próximo post)

Alcateia de Bragança - época de criação 2005/2006 (1/3)

Território da Alcateia de Bragança.

Dejecto de lobo próximo a um dos centros de actividade desta alcateia.

Exemplar adulto de Javali (Sus scrofa), uma das presas habituais da Alcateia de Bragança.

Introdução

O Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) é um super-predador que em Portugal ocorre regularmente em cerca de 16 300 km quadrados (in Censo Nacional de Lobo 2002/2003). Um dos seus principais redutos corresponde ao Distrito de Bragança onde está confirmada a existência de 21 alcateias sendo provável a ocorrência de pelo menos outras três.
No ano 2005 iniciei, a título pessoal, o acompanhamento de uma das alcateias deste distrito, já conhecida desde longa data pela população local e pelos biólogos que acompanham a evolução da população portuguesa de lobo. Este grupo familiar é portanto referido no Censo Nacional de Lobo 2002/2003 (autoria - Instituto da Conservação da Natureza e Grupo Lobo) embora lhe seja atribuída uma outra designação que não a de Alcateia de Bragança. Nesta exposição emprego este nome de forma a não revelar a localização precisa do seu território; peço desculpa aos leitores mas são cuidados necessários quando se trata de informação veiculada sobre uma espécie em risco de extinção. Seguem-se os dados relativos ao seu seguimento durante a época de criação 2005/2006.


Descrição de Habitat

A Alcateia de Bragança habita uma extensa zona montanhosa, recoberta na sua maioria por um coberto florestal maduro, nomeadamente pinhais de Pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e Pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris) e manchas boscosas de menor dimensão de Carvalho-negral (Quercus pyrenaica) e Castanheiro (Castanea sativa). A densidade humana é baixa: apenas duas pequenas povoações, ambas com menos de 100 habitantes, se encontram no limite Sul do seu território. Ao longo do território da alcateia não faltam os locais livres da perturbação humana próximos a cursos de água, ou seja, idóneos para servirem de local de criação ou funcionarem como centros de actividade.
A pastorícia é pouco comum escasseando o gado bovino e existindo apenas pequenos rebanhos de gado ovino e caprino acompanhados permanentemente por pastores e vigiados por cães de guarda, ou seja pouco permeáveis à predação pelo lobo. Ao invés existem populações apreciáveis de presas selvagens nomeadamente de Veado (Cervus elaphus), Javali (Sus scrofa) e Corço (Capreolus capreolus).

(continua no próximo post)

06 março 2007

Paínho-de-cauda-quadrada: a ave europeia do ano 2007

Paínho-de-cauda-quadrada (Hydrobates pelagicus)

O Paínho-de-cauda-quadrada (Hydrobates pelagicus) é uma pequena ave pelágica (ou seja que se alimenta em mar aberto, distante da costa) de bico curto. Das cinco espécies de paínhos descritas como frequentadoras das águas territoriais de Portugal e Espanha é a mais pequena e a única que nidifica na Península Ibérica.
Esta ave forma colónias localizadas em grutas ou ilhotas livres de ratos visitando os ninhos durante a noite. Alimenta-se de macroplâncton (como crustáceos) e pequenos peixes sendo conhecida dos pescadores pelo hábito de seguir os barcos sobrevoando erraticamente a água a baixa altitude.
Com menos de 5000 casais reprodutores recenseados nas costas ibéricas pertence, juntamente com as pardelas e albatrozes, ao grupo de aves que experimentou um maior decréscimo populacional nos últimos anos. Por este motivo a Birdlife International classificou o paínho-de-cauda-quadrada como ave europeia do ano 2007, numa tentativa de chamar atenção para a urgência de se adoptarem medidas para a sua conservação. O blogue Fauna Ibérica junta-se a este movimento global promovendo este paínho pouco maior que um pardal, dotado de uma resistência excepcional e capaz de enfrentar as situações mais adversas... com excepção do esgotamento dos stocks pesqueiros a nível mundial!