22 dezembro 2008

Votos de Festas Felizes a todos os leitores



Imagens de paisagens naturais portuguesas fabulosas: o curso superior do Vale do Homem e a Mata Nacional de Albergaria no Parque Nacional da Peneda-Gerês. 

A quadra natalícia é tradicionalmente uma altura de paz e compreensão entre os Homens mas talvez devesse também constituir um momento de reflexão da nossa relação para com a Natureza. O meio que nos rodeia é parte integrante do Homem pois ao longo de milénios condicionou a evolução da nossa espécie. Agora que adquirimos uma extraordinária capacidade de transformação da Natureza, como nenhuma outra espécie deteve na já longa história do nosso planeta, devemos justificar a nossa auto-intitulada inteligência preservando tudo aquilo que fez de nós o que hoje somos.
Aos leitores habituais do Fauna Ibérica peço desculpa pelo tom talvez demasiado filosófico. Desejo a todos festas felizes, um 2009 cheio de saúde e sonhos concretizados, com votos de que no próximo ano a Natureza portuguesa receba o respeito que merece. 

19 dezembro 2008

Águia-real nas montanhas do Gerês/Xurés: precisa-se de uma estratégia concertada entre Portugal e Espanha



Fotografias retratando o o trabalho de reforço populacional de Águia-real (Aquila chrysaetos) no Parque Natural Baixa Limia - Serra do Xurés (fotografias: GREFA, Grupo de Rehabilitación de la Fauna Autoctóna y su hábitat).

Mapa de localizações GPS de exemplar de Águia-real (Aquila chrysaetos) libertada em 2008 no Parque Natural Baixa Limia - Serra do Xurés obtido graças a um emissor transportado pela ave. Há 3 semanas este animal foi encontrado ferido na província de Salamanca, com a asa esquerda fracturada após ter sido vítima de disparos  (fotografias: GREFA, Grupo de Rehabilitación de la Fauna Autoctóna y su hábitat). 

No Parque Nacional da Peneda-Gerês e no vizinho Parque Natural de Baixa Limia - Serra do Xurés galego a população de um dos principais predadores europeus, a Águia-real (Aquila chrysaetos), encontra-se à beira da extinção. Desde o início do século XX que nesta área protegida transfronteiriça com cerca de cem mil hectares de extensão, representativa das montanhas do Noroeste ibérico, deambula de maneira permanente apenas um único exemplar. Com vista a contrariar a situação de extinção biológica (sem capacidade de reprodução em condições naturais) os nossos vizinhos galegos iniciaram em 2001 um programa de reforço populacional/reintrodução de águia-real. Com o auxílio do GREFA (Grupo de Rehabilitación de la Fauna Autoctóna y su hábitat) procederam à libertação no espaço natural galego, a menos de 5 km da fronteira portuguesa, de 7 crias de águia-real.
Cronologicamente a solta exemplares decorreu da seguinte forma:
  • 2001: 1 cria de águia-real nascida em cativeiro no GREFA é colocada aos 60 dias de vida numa plataforma artificial em pleno Parque Natural Baixa Limia - Serra do Xurés, iniciando os primeiros voos cerca de 20 dias mais tarde;
  • 2002: 1 cria de águia-real nascida em cativeiro no GREFA é libertada no mesmo local;
  • 2003: 1 cria de águia-real também nascida em cativeiro é solta nas mesmas condições;
  • 2006: 2 crias de águia-real disponibilizadas pelas Juntas de Castilla La Mancha e Extremadura são libertadas na mesma plataforma-ninho;
  • 2007: 1 cria de águia-real, desta feita nascida em cativeiro no GREFA (baptizada "Lobios") é solta no Sudoeste da Galiza
  • 2008: 1 cria de águia-real nascida em cativeiro no GREFA (baptizada de "Eufemia") é libertada numa zona nobre do Parque Natural de Baixa Limia - Serra do Xurés.
Infelizmente e até à data os resultados não têm sido animadores. Com efeito pelo menos um dos animais libertados foi encontrado morto na fase de dispersão juvenil. Já este ano a aclimatação e os primeiros voos de Eufemia tinham decorrido conforme o esperado, com incursões nos vales graníticos dos nossos Parque Nacional da Peneda-Gerês e Parque Natural do Alvão, e início do período de dispersão que a levou a atravessar todo o Norte de Portugal até se estabelecr numa zona de grande densidade de Coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) a 20 km a Sul de Salamanca. No dia 20 de Novembro e porque o animal permanecia imóvel há um período considerável de tempo de acordo com o emissor GPS a equipa de seguimento aproximou-se da ave e constatou que se encontrava ferida, com a asa esquerda fracturada vítima de disparos de arma de caça. Foi transportada para as instalações do GREFA nos arredores de Madrid onde actualmente se encontra a recuperar.
O programa de reforço populacional/reintrodução  de águia-real nas montanhas da Peneda e Gerês/Xurés deve constituir um desígnio das entidades responsáveis pela Conservação da Natureza portuguesas e galegas, por vários motivos mas principalmente porque tratando-se de áreas protegidas (do lado português é mesmo a principal área protegida do país) não é admissível aceitar-se passivamente a extinção de um super-predador por causas antrópicas com a consequente perda de diversidade biológica e de equilíbrio do ecossistema. Este esforço contudo tem que ser coordenado entre os 2 países e assumido de forma plena. 
Numa medida plena de oportunidade o Parque Nacional da Peneda-Gerês colocou a funcionar um alimentador para aves necrófagas ao longo de 2008, esforço que porventura deveria ser alargado a outros locais nomeadamente ao Parque Natural Baixa Limia - Serra do Xurés. Por outro lado numa ave longeva como a águia-real é do maior interesse reduzir a mortalidade de efectivos o que apenas se consegue com a presença de equipas especializadas na luta contra o veneno em ambos os países (este constitui um autêntico flagelo nestas serras sendo habitualmente colocado para atingir outro super-predador, o Lobo-ibérico (Canis lupus signatus)). Finalmente é urgente a libertação de mais exemplares de águia-real a cada ano: a solta de apenas um exemplar é manifestamente insuficiente atendendo à elevada taxa de mortalidade associada ao perigoso período de dispersão juvenil. A experiência internacional demonstra que as probabilidades de êxito de um programa de reintrodução de águia-real aumentam com a libertação de pelo menos 4 aves/ano em vários anos sucessivos. Apelo portanto aos nossos amigos galegos para que o insucesso que rodeou a libertação de Eufemia apenas os motive para a introdução já em 2009 de um maior número de aves. Apelo também às entidades portuguesas, nomeadamente ao Ministério do Meio Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional e ao Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade para que não poupem esforços e recursos na salvação da águia-real no único parque nacional português: esse seria um óptimo investimento no futuro do país... 

07 dezembro 2008

Texugo: o mascarado da nossa fauna



Fotografias de Texugos (Meles meles) selvagens obtidas com recurso a máquinas fotográficas de disparo automático no Norte de Portugal.

Amanhece nas montanhas asturianas e a claridade do dia permite contemplar um aglomerado de picos cantábricos nevados e um vale recoberto por um extenso faial. Encontramo-nos de madrugada neste local remoto, absolutamente enregelados por um vento cortante soprando de Norte, com um único objectivo: observar em estado selvagem um dos grandes predadores da Fauna Ibérica: o Urso-pardo cantábrico (Ursus arctos). Para tal temos o privilégio de acompanhar um dos maiores conhecedores da ecologia desta espécie, Alfonso Hartasánchez do FAPAS (Fondo Asturiano para la Protección de los Animales Selvages). Contudo naquela manhã o vertebrado de hábitos elusivos que nos brindou com a sua presença não foi o desejado plantígrado mas antes o Texugo (Meles meles). Alheio à nossa presença este mamífero de porte desajeitado irrompeu do bosque e avançou decididamente por um prado de altitude. A certa altura pressentiu a nossa presença, encarou-nos e rapidamente desapareceu por entre o arvoredo...
O Texugo é um carnívoro de médio porte (pesa até 12 kg) que se distribui por todo o país (estatuto de conservação: pouco preocupante) preferindo áreas de paisagem tipo mosaico com cobertura florestal e arbustiva intercalada com prados de cultivo. Apresenta um regime alimentar omnívoro, fazendo parte integrante da sua dieta os frutos, insectos ou pequenos mamíferos. Caracteriza-se por viver em grupos sociais com um número que oscila entre 5 e 25 elementos de ambos os sexos que defendem um mesmo território. Escava diversas galerias onde socializa e se refugia durante o dia (o padrão de actividade é essencialmente nocturno). 
Quanto ao comportamento reprodutor destacam-se 2 períodos de acasalamento no final do Inverno e durante o Verão. A gestação apresenta uma duração variável, podendo prolongar-se por vários meses devido ao fenómeno conhecido como implantação retardada. As crias nascem habitualmente em pleno Inverno e mantêm-se na texugueira por cerca de 2 meses, assomando ao exterior já em plena Primavera.
A presença do texugo, inconfundível mascarado da nossa fauna, é um excelente indicador de equilíbrio conseguido pelo Homem na exploração racional da Natureza. A manutenção das actividades agrícolas tradicionais constitui assim a melhor garantia da sua sobrevivência futura.

30 novembro 2008

Disponibilização gratuita da Biblioteca Digital do ICNB - uma medida acertada


O Instituto para a Conservação da Natureza e Biodiversidade disponibilizou recentemente em formato pdf alguns dos trabalhos promovidos ou apoiados pela entidade e seus predecessores ao longo dos últimos 30 anos.
De momento encontram-se acessíveis trabalhos relacionados com as áreas protegidas do Norte do país mas prevê-se para breve a disponibilização de mais de um milhar de títulos dedicados às restantes áreas protegidas e aos valores naturais nacionais. 
Esta é sem dúvida uma excelente notícia para quem se interessa pela Natureza Portuguesa. Clicando aqui abre-se a porta para muitas horas de leitura sobre os nossos bosques, aves e mamíferos desde a vegetação do vale do Sabor no Parque Natural de Montesinho até aos prejuízos causados pelo Lobo (Canis lupus signatus) no Parque Natural do Alvão... Boa leitura!

27 novembro 2008

Ursa "Villarina": símbolo da recuperação do Urso-pardo Cantábrico



Villarina, a cria de Urso-pardo cantábrico (Ursus arctos) mais mediática de sempre [Fotografias FAPAS e Fundación Oso Pardo].

Cordilheira Cantábrica, Junho de 2008: uma fêmea de Urso-pardo cantábrico (Ursus arctos) deambula por um dos maiores bosques caducifólios ibéricos em busca de alimento juntamente com as suas 3 crias de 5 meses de idade. Enquanto sobem a encosta uma das crias cai e sofre um traumatismo craniano. Desorientada a pequena ursa desce cambaleante até ao fundo do vale por onde passa uma estrada pouco transitada.
Mais tarde um casal de turistas que se tinha deslocado à Cordilheira Cantábrica para conhecer o "País dos Ursos" mal pode acreditar no que vê: à frente do seu carro encontra-se uma frágil cria de urso. Prudentes fingem ignorá-la primeiro, depois tentam reconduzi-la de volta ao bosque mas o "esbardo" (termo asturiano que designa cria de urso) regressa teimosamente à estrada. Finalmente e porque se apercebem de que o animal não se desloca normalmente e não há sinais da progenitora, recolhem-na e entregam-na na delegação mais próxima da Fundación Oso Pardo.
Durante o Verão as Astúrias e toda a Espanha acompanham a recuperação da pequena ursa, entretanto baptizada de Villarina de acordo com o nome da aldeia mais próxima do local onde foi encontrada. Inicialmente tratada em Oviedo, o agravamento do seu estado de saúde obriga ao transporte de urgência para um centro veterinário intensivo na vizinha Cantábria. Felizmente em Agosto Villarina já se encontra livre de perigo e regressa ao Principado das Astúrias ingressando num Centro de Recuperação de Fauna (foto 1).
Começa então a discussão: que fazer à pequena ursa? Depois de tantos meses em cativeiro e apesar de todo o cuidado em reduzir a exposição ao Homem será que consegue sobreviver de novo na Natureza? Não será mais prudente mantê-la em cativeiro servindo o propósito de educação ambiental? Depois de tanta exposição mediática será legítimo utilizá-la como atractivo turístico das regiões por onde deambula o urso?
No terreno o Fondo Asturiano para la Proteccion de los Animales Salvages (FAPAS) através da utilização de câmaras fotográficas automáticas estrategicamente colocadas localiza a progenitora e os dois irmãos de Villarina (foto 2).
O que se passa de seguida demonstra na perfeição a referência que o Principado das Astúrias constitui em termos de Conservação da Natureza, comparando com a restante Espanha e Portugal: em Setembro o departamento de Meio Ambiente do Principado reúne com as principais associações ligadas à Conservação da Natureza, com biólogos especialistas na gestão do urso-pardo e com os directores das áreas protegidas asturianas para decidir o futuro da cria de urso. A decisão final, apesar dos riscos envolvidos, passa pela a reintrodução do esbardo no bosque por onde nesse momento deambula o seu grupo familiar.
Novembro 2008. A neve começa a cair nos belíssimos cumes cantábricos. Há já duas semanas que Villarina voltou às montanhas que a viram nascer (foto 3). De momento o reencontro com a mãe e irmãos ainda não ocorreu. Ao nascer e pôr-do-sol a cria, agora com 10 meses de idade, deambula por um extenso faial repleto de alimento. Com a descida de temperatura recolhe a uma pequena gruta onde se prepara para hibernar. A mais de um quilómetro de distância todos os seus movimentos são seguidos por uma equipe permanente da Fundación Oso Pardo munida de poderosos telescópios.
Não sabemos se Villarina sobreviverá ao seu primeiro Inverno. Mas todos os cuidados, tempo e dinheiro disponibilizados para salvar esta única cria de urso-pardo permitem compreender porque é que nas Astúrias a população do plantígrado em estado selvagem duplicou nos últimos dez anos: é porque aqui a conservação e respeito pela Natureza não constituem apenas uma obrigação legal mas antes um desígnio de toda a sociedade...

09 novembro 2008

Explosão de cores antes da monocromia invernal

Harmonia das cores outonais num país que longe do caos urbanístico do litoral ainda tem muito de belo.   

O tempo frio chegou. Nas montanhas do Norte e Centro de Portugal a neve faz a sua aparição fugaz dificultando a sobrevivência das espécies residentes. 
Os castanheiros perdem as suas folhas e brindam-nos com o emblema da estação: as castanhas. Os Grous (Grus grus) regressam ao Alentenjo após a criação nas regiões mais setentrionais do continente europeu de forma a aproveitar os recursos alimentares de um ecossistema que nos define enquanto povo: o montado mediterrâneo. Nas serranias do Gerês as fêmeas e crias de Cabra-montês (Capra pyrenaica) descem dos alcantilados graníticos para o resguardo dos vales. Nos planaltos de Montesinho os machos de Veado (Cervus elaphus), após o intenso desgaste da brama em que através de combates ganham o direito à reprodução, refugiam-se discretamente nos extensos pinhais que por aqui existem.
A vida selvagem torna-se mais dificil de observar, os dias curtos, cinzentos e frios dificultam as caminhadas pelo campo. Apenas a diversidade de cores do bosque caducifólio torna menos penosa a letargia invernal que se avizinha. 

30 outubro 2008

Tritão-marmorado: exemplo de beleza no mundo dos anfíbios

Exemplar de Tritão-marmorado (Triturus marmoratus).

Ao final da tarde o anfíbio avançava desajeitado pelo trilho tendo sido salvo in extremis de uma pisadela provavelmente letal pelo olhar atento de um amigo. Perante nós encontrava-se um anfíbio peculiar, com cerca de 5 cm de comprimento, dorso de coloração esverdeada atravessado por uma vistosa linha alaranjada e manchas escuras de tamanho variável: o Tritão-marmorado (Triturus marmoratus).
Esta espécie apresenta uma ampla distribuição em Portugal. Com efeito habita uma grande variedade de biótopos desde as zonas agrícolas costeiras às altas montanhas do Norte e Centro de Portugal, desde que esteja satisfeita uma condição essencial: a proximidade da água, sob a forma de charcos, tanques, lagoas ou albufeiras.
Tal como todos os anfíbios o tritão-marmorado depende do meio aquático para se reproduzir. Os machos são os primeiros a chegar ao local de acasalamento, habitualmente massas de água paradas ou de baixa corrente com vegetação aquática associada. A partir do mês de Outubro, com a chegada das fêmeas, inicia-se a reprodução que culmina com a postura de entre 150 a 400 ovos.
No Verão seguinte completa-se a fase larvar e observam-se os primeiros juvenis que, se conseguirem sobreviver à predação pela Cobra-de-água (Natrix natrix) ou Cegonha-branca (Ciconia ciconia), poderão viver em estado selvagem por mais de 10 anos.      

23 outubro 2008

Tartaranhão-caçador: símbolo do equilíbrio entre o Homem e a Natureza

Fêmea de Tartaranhão-caçador (Circus pygargus) em vôo e em local habitual de pouso, próximo ao sítio de criação de 2008 nos arredores do Parque Natural do Douro Internacional.

O Tartaranhão-caçador (Circus pygargus) é uma ave de rapina vinculada às extensões cerealíferas. Com efeito trata-se de um visitante estival que tem predilecção por grandes áreas de vegetação rasteira, como os campos de cereais alentejanos ou os planaltos recobertos de matos das montanhas do Norte e Centro de Portugal.
Devido ao abandono das práticas agrícolas extensivas e à diminuição da cultura de sequeiro, com a consequente proliferação de matos densos e floresta, o tartaranhão-caçador tem sofrido com a redução de habitat disponível. O seu estatuto de conservação é desfavorável: em Portugal considera-se Em Perigo de Extinção (in Livro Vermelhos dos Vertebrados de Portugal, ICN) e em Espanha encontra-se classificado como Vulnerável (in Guia de las Aves de España, SEO/Birdlife).
Calcula-se que em toda a Península Ibérica existam cerca de 4 mil casais reprodutores com uma tendência populacional regressiva, pelo menos no nosso país.
Ave de grande beleza, caçador de aves, pequenos mamíferos, répteis e grandes insectos, verdadeiro símbolo de qualidade ambiental da agricultura respeitosa para com a Natureza, o tartaranhão-caçador é acima de tudo um barómetro do impacto do Homem no Meio Ambiente: se as suas populações prosperarem, se os nossos filhos tiverem o privilégio de o observar em estado selvagem, tal significa que a nossa geração aprendeu a respeitar os antigos legados de uma agricultura ao sabor dos ciclos naturais, menos dependente de químicos, mais... "biológica".
Esperemos que o futuro assim o demonstre!

17 outubro 2008

Abelharuco-europeu e o primado da cor na Natureza


Retrato de uma Natureza sempre impressionante nas suas formas e cores: o Abelharuco-europeu (Merops apiaster).

O Abelharuco-europeu (Merops apiaster) é a ave mais colorida e um dos maiores expoentes de diversidade da Fauna Ibérica. Vindo da África do Sul atravessa o deserto do Sara durante o mês de Abril para aproveitar o banquete de insectos (principalmente abelhas e vespas) da área mediterrânea. Se a disponibilidade de alimento for adequada elege então barrancos arenosos para escavar o seu ninho onde deposita de 2 a 6 ovos. Apresenta hábitos gregários pelo que é comum observarem-se grupos com várias dezenas de indivíduos.
Agora que chegamos ao final do mês de Outubro os últimos abelharucos abandonam o nosso país contribuindo para o cinzentismo destes dias. Felizmente o seu estatuto de conservação é favorável (calcula-se em mais de 100 000 os casais reprodutores de Portugal e Espanha) pelo que é reconfortante saber que na próxima Primavera receberemos de novo a visita destes arco-íris voadores.

08 outubro 2008

Lince-ibérico: sinais de um fantasma



Rastro de pegadas de Lince-ibérico (Lynx pardina) e habitat "linceiro" no Sul da Península Ibérica.

O Lince-ibérico (Lynx pardina) é um dos mais belos mamíferos europeus com um porte, graciosidade e agilidade apenas possível de encontrar na família dos felinos. Infelizmente é também um dos animais mais ameaçados de extinção a nível mundial com uma população estimada de cerca de 200 indivíduos em estado selvagem. Os seus principais redutos encontram-se nos Parques Nacional e Natural de Doñana assim como na Sierra Morena Oriental, nomeadamente no Parque Natural Sierra de Andújar.
É um especialista do bosque mediterrâneo tranquilo, com estrutura tipo mosaico que combine densa cobertura vegetal com prados de alimentação para a sua presa principal, o Coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus). Os adultos são bastantes territoriais não permitindo a entrada de indivíduos do mesmo sexo numa área de 5 a 20 quilómetros quadrados.
Apresenta actividade crepuscular e nocturna o que aliado à escassez de efectivos torna bastante difícil a sua observação na Natureza contudo deixam com frequência as suas pegadas e dejectos em corta-fogos e cruzamento de caminhos. Caminhando numa zona "linceira" observei e fotografei as marcas da sua presença. São sinais de um fantasma da nossa fauna, cada vez mais raro. Os próximos anos serão fundamentais para a conservação do "felino mais ameaçado do mundo": será a nossa a última geração a observá-lo na Natureza?

29 setembro 2008

Águia-real: a dispersão dos juvenis

Juvenil de Águia-real (Aquila chrysaetos) fotografado em vôo planado ("soaring" - fotografia 1) e em atitude de caça (fotografia 2). Na fotografia 3 observa-se o ninho onde passou os primeiros meses de vida.

Estamos no final de Setembro e nesta altura do ano as crias de Águia-real (Aquila chrysaetos) nascidas no mês de Abril abandonam o território dos progenitores: é o início da fase de dispersão, a etapa mais perigosa na vida das jovens águias, que se pode prolongar por 3 a 4 anos.
A rainha das aves é o exemplo acabado de perfeição evolutiva: capacidade de "soaring" que lhe permite longos vôos em busca de presas sem dispêndio de energia, garras tão poderosas que podem imobilizar um Lobo (Canis lupus), capacidade de transporte aéreo de grandes presas (com mais do dobro do seu peso) e territorialidade acentuada sobre a sua área de nidificação e caça. A sua dieta inclui presas de dimensões tão distintas como o Coelho (Oryctolagus cuniculus) ou o Corço (Capreolus capreolus).
Os cerca de 60 casais que criam em Portugal repartem-se principalmente pelo vales e montanhas do Nordeste Transmontano e Tejo Internacional, mas os juvenis que agora abandonam o território paterno irão percorrer toda a Península Ibérica. Representam o futuro da espécie e estarão de regresso em 2011/2012, altura em que integrarão de pleno direito a população reprodutora da mais fantástica das aves...

23 setembro 2008

"Canhões" transmontanos: o melhor da Natureza portuguesa


Vales repletos de vida do Oriente Transmontano.

O território transmontano é bastante rico em acidentes geográficos destacando-se pela sua importância os vales orientais que atravessam a região no sentido Norte-Sul. Com efeito os declives pronunciados e repletos de escarpas ("canhões") desenhados ao longo de milênios pelos rios Sabor, Maças e Angueira definem ainda hoje barreiras culturais e econômicas para o Homem e santuários e corredores de migração para a Natureza portuguesa.
Amparados pela protecção ambiental conferida pelo estatuto de Rede Natura 2000, Lugar de Importância Comunitária (LIC) e Zona de Especial Protecção para as Aves (ZEPA) estes vales contêm algumas das mais fascinantes espécies da nossa fauna e flora. Vejamos: bosques extensos e intactos de Carrasco (Quercus coccifera) e as principais comunidades nacionais de Buxo (Buxus sempervirens); uma das maiores densidades mundiais de aves rupícolas nomeadamente as fabulosas Águia-real (Aquila chrysaetos), Águia-Bonelli (Hieraatus fasciatus), Falcão-peregrino (Falco peregrinus) e Bufo-real (Bubo bubo) bem como as ameçadas Cegonha-negra (Ciconia nigra) e Abutre-do-Egipto (Neophron percnopterus); local de criação e corredor de dispersão para o Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), Gato-montês (Felis silvestris) ou Lontra (Lutra lutra)...
Apesar da figura de protecção ambiental não condizer com a riqueza da área (para quando a declaração de um Parque Natural do Sabor ou Parque Natural dos Vales Transmontanos? Quantas oportunidades de desenvolvimento local e de combate à desertificação se perdem com a não-declaração destas áreas protegidas?) e das ameças recorrentes da construção de grandes infraestruturas (Barragem do Baixo Sabor; construção do IC5/IP2) a exuberância natural destes vales faz acreditar que nos próximos anos continuarão a representar um cartão de visita daquilo que o nosso país tem de melhor. Por isso de que está à espera? Traga os binóculos e as botas de caminhada e descubra os trilhos do Sabor ou do Maças. Terá direito quase exclusivo a uma das mais belas e selvagens paisagens da Velha Europa!

16 setembro 2008

Bufo-real: o grande predador da noite

Nesta fotografia é bem evidente a grande beleza do Bufo-real (Bubo-bubo).

O dia aproxima-se do fim nas fabulosas arribas do troço internacional do Vale do Douro. A Águia-real (Aquila chrysaetos), dominadora dos céus até esse momento, retira-se para um dos seus poisos favoritos, as Gralhas-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) escolhem a escarpa mais abrigada para passar a noite e os numerosos Pombos-das-rochas (Columba livia) reúnem-se em bandos nas árvores mais imponentes.
É o momento esperado pelo monarca da noite, uma ave de rapina com mais de metro e meio de envergadura, para iniciar o patrulhamento do território. Quando abre as asas e se lança em vôo ao longo de um dos mais belos canhões do mundo, não emite um único som: as penas especiais que lhe recobrem as asas tornam inaudível até a resistência do ar. Representa o auge da evolução em termos de capacidade de caça nocturna. É o Bufo-real (Bubo-bubo).
Nesta altura do ano, as crias nascidas em Março/Abril iniciam a dispersão a partir do território paterno. É uma altura difícil para estas jovens aves uma vez que ainda não dominam as técnicas de caça que permitem aos seus progenitores a capturas de presas tão distintas como coelhos (Oryctolagus cuniculus), micromamíferos ou raposas (Vulpes vulpes). Esperemos que a meteorologia clemente e a abundância de alimento permita que ao longo dos próximos anos se continue a escutar o característico pio nocturno (um bú-hu profundo) do principal predador alado nocturno da nossa fauna.

Nota: Pelos melhores motivos pessoais a edição deste blogue foi interrompida por cerca de 3 meses... mas agora está de volta.

25 junho 2008

Lírio-do-Gerês: a jóia do nosso único Parque Nacional


Esta é uma das plantas mais belas e raras da Península Ibérica: o Lírio-do-Gerês (Iris boissieri), autêntico símbolo da Conservação da Natureza, fotografado esta semana no auge da floração.

Estamos em Junho e nesta altura do ano a belíssima Serra do Gerês é testemunha de um acontecimento praticamente exclusivo a nível mundial: a floração do Lírio-do-Gerês (Iris boissieri).
O lírio-do-Gerês tem uma distribuição global restrita ao Noroeste da Península Ibérica ocorrendo em alguns pontos isolados da Galiza mas com o maior efectivo populacional no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Trata-se de uma planta com preferência por solos ácidos, distribuída na faixa altitudinal entre os 600 e 1300 metros, constituindo povoamentos de baixa densidade em fendas rochosas .
Percorrer as escarpas fabulosas do nosso único Parque Nacional observando as regressadas Cabras-montesas (Capra pyrenaica) enquanto se descobre a floração do lírio-do-Gerês é uma das melhores experiências de Natureza em Portugal.

19 junho 2008

Galiza proíbe a instalação de parques eólicos na Rede Natura 2000

Locais como a belíssima Serra do Courel galega ficam agora protegidos da exploração eólica.

É uma decisão importantíssima para a Conservação da Natureza na Galiza, a Comunidade Autónoma espanhola fronteiriça com o Norte de Portugal: por decisão do governo autónomo galego está proibida a instalação de parques eólicos em áreas da Rede Natura 2000.
A Rede Natura 2000 diz respeito a um conjunto de zonas criadas por imposição da União Europeia com o objectivo de preservar habitats naturais, a fauna e a flora e travar a perda da biodiversidade no Velho Continente constituindo uma rede ecológica europeia.
Se esta decisão dos nossos vizinhos galegos fosse aplicada pelo Governo português tal significaria por exemplo a exclusão de parques eólicos de sítios tão emblemáticos como as serras do Marão, Alvão ou Nogueira. O mais grave é que no nosso país não só se está a autorizar a instalação de aerogeradores em plena Rede Natura 2000 como também existe uma forte pressão para a sua edificação nas mais emblemáticas áreas protegidas portuguesas como é o caso do Parque Natural de Montesinho... Que povo tão triste seremos se efectivamente for autorizada a destruição de um dos locais mais belos e selvagens da Europa (as serras de Montesinho, Coroa e Alta Lombada) com um potencial turístico singular em nome de um progresso (a colocação de torres eólicas) sem regras.
Aqui ao lado na Galiza definiram claramente essas regras: eólicas sim, excepto na Rede Natura 2000 e áreas protegidas. Quando teremos a coragem de fazer o mesmo em Portugal?

15 junho 2008

Águia-imperial ibérica em directo

Símbolo do programa de conservação da Águia-imperial ibérica (Aquila adalberti) promovido pela SEO/Birdlife e que inclui o Parque Nacional de Cabañeros (Espanha, Comunidade Autónoma de Castilla-La Mancha).

A Águia-imperial ibérica (Aquila adalberti) é um super-predador por excelência do ecossistema mediterrâneo. A sua distribuição mundial encontra-se restrita ao centro, sul e sudoeste da Península Ibérica, com 99% da população reprodutora em Espanha e 1% em Portugal. É uma das jóias da nossa fauna, seriamente ameaçada de extinção (Estatuto de Conservação em Portugal: Criticamente em Perigo de Extinção; Estatuto de Conservação em Espanha: Em Perigo de Extinção).
O seu habitat preferencial é constituído por uma paisagem tipo mosaico com bosques de azinho e sobro intercalados por extensões abertas de searas e pousios. A dieta baseia-se no actualmente escasso Coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus). Constrói os seus ninhos no topo de velhas árvores podendo estes alcançar grandes dimensões. O período de reprodução inicia-se em Fevereiro com os vôos nupciais, em Março ocorre a postura, em Abril o nascimento dos juvenis (habitualmente 1 ou 2) que deixam o conforto do ninho no final de Junho.
No âmbito de um plano global de conservação da águia-imperial ibérica - o programa "Alzando el Vuelo" - a mais importante organização não-governamental espanhola dedicada ao estudo e preservação das aves, a SEO/Birdlife, com a colaboração de técnicos de uma das mais emblemáticas áreas protegidas do país vizinho, o Parque Nacional Cabañeros, colocou uma webcam alimentada a energia solar dirigida para um ninho. Carregando aqui com o botão direito do rato o leitor deste blogue pode observar em directo e sem qualquer perturbação para as aves um dos espectáculos mais genuínos da Fauna Ibérica: a reprodução em plena Natureza da águia-imperial ibérica...

17 maio 2008

Abutre-negro: símbolo do bosque mediterrâneo.


Abutres-negros (Aegypius monachus) sobrevoam o fabuloso Vale das Batuecas, uma das mais belas paisagens Ibéricas.

O dia chega ao fim naquele escarpado vale mediterrâneo. Encontro-me num dos locais mais remotos da Extremadura espanhola e perante mim estende-se um impressionante bosque mediterrâneo. Terra votada ao esquecimento, por onde desfilam alguns dos maiores tesouros da Fauna Ibérica: o Lince-ibérico (Lynx pardinus), a Águia-imperial (Aquila adalberti), a Cegonha-negra (Ciconia nigra). Caminho em direcção ao topo do vale quando de repente uma sombra de grandes dimensões prende a minha atenção. Olho para o ceú e o espectáculo é sublime: uma das maiores aves do mundo, o Abutre-negro (Aegypius monachus), descreve um amplo vôo planado logo seguido por outro exemplar ainda maior (provavelmente a fêmea).
O Abutre-negro é a ave europeia de maior envergadura, ultrapassando os 2,5 metros! Habita nos locais mais recônditos do bosque mediterrâneo construindo os seus gigantescos ninhos preferencialmente sobre Sobreiros (Quercus suber) centenários. Os principais efectivos europeus encontram-se restritos à Extremadura e áreas limítrofes contabilizando-se no total pouco mais de 1000 casais reprodutores. O estatuto de conservação em Portugal (onde a nidificação é errática) é de Criticamente em Perigo enquanto que em Espanha é de Vulnerável.
A observação do seu vôo majestoso sobre uma serra recoberta de vegetação mediterrânea é um dos maiores espectáculos naturais observáveis na Península Ibérica...

11 maio 2008

Pica-pau-malhado-grande: o carpinteiro por excelência dos nossos bosques


Pica-pau-malhado-grande (Dendrocopus major) fotografado no mês de Abril em pleno Vale do Sabor.

Nos bosques de Portugal habita uma das aves mais fascinantes da Fauna Ibérica: o Pica-pau-malhado-grande (Dendrocopus major). Com mais de 20 cm de comprimento, padrão de coloração branco e negro e uma mancha vermelha presente na nuca do macho adulto trata-se de uma ave facilmente identificável. No nosso país apenas poderá ser confundido com o mais raro e consideravelmente mais pequeno Pica-pau-malhado-pequeno (Dendrocopus minor) que habita nos montados do Sudoeste.
O pica-pau-malhado-grande distribui-se por todo o país alcançando as suas maiores densidades nas montanhas do Norte e Centro associado a carvalhais e pinhais. Alimenta-se preferencialmente de insectos embora os ovos e as crias de outros pássaros possam ocasionalmente fazer parte da sua dieta. A sua capacidade de "picar" os troncos das árvores é fantástica: tamboreia frequentemente com séries curtas e incrivelmente rápidas acedendo dessa forma ao alimento ou construindo o seu ninho.
Devido à sua timidez torna-se difícil observá-lo na Natureza pelo que a única prova da sua existência resume-se muitas vezes à presença do ninho, aos troncos de árvores "picados" ou à audição de um tamborilar distante...

25 abril 2008

10º aniversário da maior catástrofe ambiental da Península Ibérica - a descarga de Aznalcóllar

Parque Nacional de Doñana, vítima há 10 anos da maior descarga de lodos tóxicos e águas ácidas da Península Ibérica.

Já se passaram dez anos mas parece que aconteceu ontem: a 25 de Abril de 1998 cedia a estrutura de retenção de resíduos mineiros da vila andaluza de Aznalcóllar. De seguida 6 milhões (!) de lodos tóxicos e águas ácidas vertiam ao rio Guadiamar que cruza o Sudoeste de Espanha em direcção a umas das mais importantes áreas húmidas do mundo: o Parque Nacional de Doñana. Para se ter uma ideia da verdadeira dimensão do desastre basta dizer que o naufrágio do petroleiro Prestige arrastou para as costas galegas 63 mil toneladas de fuel, ou seja, a tragédia de Aznalcóllar comportou uma quantidade 100 vezes superior de contaminantes! Foram afectados mais de 60 quilómetros de extensão do rio Guadiamar, os lodos tóxicos inundaram os terrenos entre 500 a 1000 metros de largura desde o rio e 4 mil hectares de terras agrícolas foram considerados inaptas para o cultivo e expropriadas.
A pronta actuação das autoridades minimizou o impacto da catástrofe. Foi erguida com urgência uma barreira às portas de Doñana e a descarga desviada para uma corrente fluvial paralela. Com efeito a zona hoje conhecida como Entremuros no limite Norte do Parque Nacional, um dos locais com maior densidade de Lince-ibérico (Lynx pardinus) do planeta, deve o seu nome aos 2 quilómetros de diques de terra construídos propositadamente para conter a descarga. Simultaneamente iniciou-se um lento mas cuidadoso processo de recolha dos lodos que envolveu o trabalho conjunto de mais de 800 pessoas ao longo de meio ano: junto ao rio e nos locais mais sensíveis procedeu-se à remoção manual dos contaminantes de forma a evitar o impacto ambiental associado ao recurso a maquinaria pesada.
Graças ao esforço dispendido em 98 o Guadiamar recuperou: o habitat ribeirinho é hoje um espaço protegido (Corredor Verde del Guadiamar) que estabelece a ligação entre Doñana e os montados da Sierra Morena andaluza; recentemente foram identificadas 10 espécies de mamíferos, 114 espécies de aves, 27 de peixes e 8 de anfíbios; mesmo a Lontra (Lutra lutra) todo um símbolo da Conservação da Natureza voltou ao local.
Mas em Aznalcóllar sob uma camada impermeável repousam ainda 20 hectómetros cúbicos de lodos tóxicos e não existe tecnologia para os tratar. Tudo o que se pode fazer é vigiar de perto para que a tragédia não se repita...

17 abril 2008

A vulnerabilidade do período de nidificação

Cegonha-branca (Ciconia ciconia) em plena incubação.

No final do Inverno e início da Primavera desenrola-se uma etapa fundamental no ciclo vital das aves residentes em Portugal: a nidificação. Nas escarpas xistosas do vale do Sabor (agora ameçadas pela construção irracional de mais uma barragem), nas penadias graníticas da Serra do Gerês, nos montados de sobro do Alentejo ou nos caniçais da Ria de Aveiro este é uma dos momentos mais espectaculares do ano. Enquanto que um dos progenitores (habitualmente a fêmea, de maiores dimensões) incuba, o parceiro defende o ninho e busca alimento para si e para a sua consorte.
O ninho assume-se como centro do território e uma vez identificada a sua localização é quase garantido que a espera paciente em local próximo, inclusive após o final do período de nidificação, será recompensada pela observação da espécie que o construiu.
A necessária fixação das aves ao ninho torna-as contudo bastante vulneráveis. Como se já não bastassem as condições naturais por vezes adversas (baixas temperaturas, precipitação abundante, aumento da probabilidade de predação por outras espécies) junta-se em certas ocasiões a perseguição e a perturbação humanas. Apelo por isso ao respeito de todos pelas aves da nossa fauna naquele que é o período do ano mais importante para assegurar a sua conservação.

14 abril 2008

Cerejeira, símbolo da Primavera

Cerejeira-brava (Prunus avium) fotografada neste iníco de Primavera no Parque Natural de Montesinho.

A Primavera é uma altura de abundância de recursos alimentares pelo que a maioria das espécies da Fauna Ibérica escolhe este período do ano para iniciar o período reprodutor. Dentro das "ofertas" da Natureza conta-se a Cerejeira (Prunus avium) que no nosso país surge principalmente no interior Norte, em lugares frescos e com solos profundos. Percorrendo um bosque caducifólio ou descendo ao longo das margens florestadas de um curso de água transmontano sobressai uma árvore recoberta de flores brancas que anunciam a cereja, autêntico símbolo da Primavera lusitana.

27 março 2008

O líder da escarpa

Exemplar macho de Cabra-montês (Capra pyrenaica) fotografado no seu ambiente natural.

O dia amanhece naquele vale remoto e as escarpas graniticas que ladeiam o estreito ribeiro são progressivamente banhadas pela luz do Sol. Subitamente, um exemplar do mais ágil mamífero ibérico, a Cabra-montês (Capra pyrenaica), destaca-se na paisagem quando salta de um pequeno ressalto para uma parede aparentemente vertical. De seguida dezenas de outras cabras seguem o líder do grupo, evoluindo por rotas impossíveis de escalada da montanha.
Este espectáculo da Natureza ocorre em Portugal desde 1999, altura em que, a partir do Parque Natural Baixa Limia-Serra do Xurés localizado na Galiza, 2 grupos de cabra-montês (subespécie victoriae) escaparam de um cercado de aclimatação e ocuparam o contíguo Parque Nacional da Peneda-Gerês já em terras lusas.
Desde então estes grupos fundadores prosperaram e actualmente ocupam alguns dos mais belos locais do único Parque Nacional português. Mais: a nível europeu as serras do Alto Minho são dos raros locais onde populações selvagens de cabras-montesas sofrem a predação selectiva exercida por populações estáveis de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus).
Apesar de os últimos anos terem-se revelados auspiciosos, a cabra-montês atravessa um risco real de extinção no nosso país devido à baixa variabilidade genética relacionada com o número reduzido de indíviduos fundadores. O Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (ICNB) atribui-lhe portanto o mais desfavorável estatuto de conservação: Criticamente em Perigo de Extinção. Oxalá os portugueses tenham aprendido com erros do passado e possam conservar esta autêntica jóia da Fauna Ibérica.

19 março 2008

Seguimento da Alcateia de Bragança - 2007 (7)

Território de caça de Tartaranhão-azulado (Circus cyaneus), espécie com estatuto de conservação de Criticamente em Perigo. Ao fundo inicia-se o vale onde a Alcateia de Bragança provavelmente terá criado em 2007.

Fotografia de Marta (Martes martes) obtida cerca das 3 e meia da manhã de uma fria noite de Inverno em local de presença habitual de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus).

(continuação do post anterior)

Conclusão

Ao longo do ano 2007 não foi possível confirmar a reprodução da Alcateia de Bragança. Constata-se que este grupo familiar continua presente na área de estudo e que aplicando os critérios estabelecidos pelo ICNB e pelo Grupo Lobo aquando do último Censo Nacional de Lobo (2002-2003) a sua reprodução pode-se considerar como provável.
Durante 2007 não se verificou qualquer ameaça relevante sobre o ecossistema contudo paira a ameaça de construção de um parque eólico de grandes dimensões próximo aos 2 vales que tradicionalmente são utilizados este grupo familiar de Lobos-ibéricos (Canis lupus signatus) para a reprodução. Simultaneamente encontra-se em discussão a possibilidade de construção de uma via com perfil de auto-estrada ou via rápida no limite Oeste do seu território.
O distrito de Bragança e concretamente o território percorrido por esta alcateia constituem uma das melhores áreas para a Conservação da Natureza em Portugal. Entre as espécies ameaçadas que aqui habitam e que foram detectadas no presente estudo destacam-se para além do lobo (estatuto: em perigo), a Marta (Martes martes; estatuto: informação insuficiente), a Águia-real (Aquila chrysaetos; estatuto: em perigo) ou o Tartaranhão-azulado (Circus cyaneus; estatuto: criticamente em perigo).
Assume assim uma maior importância a continuação do esforço de campo ao longo de 2008 com vista a determinar a evolução destas espécies e a identificar os factores de ameaça sobre o território. Nesse sentido os resultados desse trabalho serão disponibilizados às entidades responsáveis pela Conservação da Natureza do Distrito de Bragança e publicados neste blog com salvaguarda do anonimato dos locais por onde deambulam estes fabulosos exemplares da fauna portuguesa.

22 fevereiro 2008

Seguimento da Alcateia de Bragança - 2007 (6)

Provável local de reprodução da Alcateia de Bragança em 2007. Ao redor deste vale foram detectados inúmeros indícios de lobo ao longo do período reprodutor.

Quadro 3 - Estações de escuta realizadas durante o Verão e Outono de 2007 e início de 2008 com o objectivo de confirmar a reprodução da Alcateia de Bragança.


Vídeo 1 - Vídeo obtido por máquina de filmar automática com recurso a iluminação infra-vermelha, onde se observa um Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) da Alcateia de Bragança.
[Para observar o vídeo carregar com o botão direito do rato sobre a seta no canto inferior esquerdo]

(continuação do post anterior)

Resultados
Durante o ano de 2007 e apesar do considerável esforço de campo não foi possível confirmar a reprodução da Alcateia de Bragança. Com efeito o grupo familiar não foi observado directamente, as estações fotográficas automáticas apesar de fotografarem e filmarem Lobos ibéricos adultos (Canis lupus signatus) (vídeo 1) não registaram qualquer cria e nas várias estações de escuta (quadro 3) também não foi possível detectar a alcateia.
Refira-se contudo que segundo os critérios utilizados pelo Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) e o Grupo Lobo a reprodução desta alcateia em 2007 é considerada como provável (in Censo Nacional de Lobo 2002/2003, Anexo B). A presença de uma concentração elevada de dejectos de lobo (14 dejectos em apenas 2 quilómetros) em pleno período reprodutor é sugestivo de tal facto.

(conclusão no próximo post)

15 fevereiro 2008

Seguimento da Alcateia de Bragança - 2007 (5)

Apesar de discreto o Corço (Capreolus capreolus) abunda no território da Alcateia de Bragança.

Esta cria de Javali (Sus scrofa) deixará em breve a segurança da vara e a sua maior preocupação será evitar o grande predador desta serra do Distrito de Bragança: o Lobo (Canis lupus signatus).

(continuação do post anterior)

Resultados
Relativamente às potenciais presas da Alcateia de Bragança, nomeadamente o Javali (Sus scrofa), o Corço (Capreolus capreolus) e o Veado (Cervus elaphus), a sua detecção ocorreu ao longo de todo o ano. A actividade do veado e do corço foi superior nos meses de Outono enquanto que o número de fotografias de javali atingiu o máximo durante o Verão.
Em 2007 o corço e o javali foram detectados a cada 46 dias (constituíram as presas-alvo mais abundantes) enquanto que o veado foi fotografado a cada 69 dias.
Relativamente à correlação entre estas espécies verifica-se que nos locais com presença de veado co-existe frequentemente o javali (correlação de Pearson 0,06; P=0,79). Já o corço distribui-se principalmente pelos sítios mais apartados e com menor presença de veado (correlação de Pearson -0,15; P=0,46) e javali (correlação de Pearson -0,24; P=0,23) embora esta exclusão aparente não atinja a significância estatística.

(continua no próximo post)

07 fevereiro 2008

Seguimento da Alcateia de Bragança - 2007 (4)

Raposa (Vulpes vulpes) fotografada em plena luz do dia próximo ao seu local de cria.

Este é um dos mais fantásticos e desconhecidos mamíferos selvagens portugueses: a Marta (Martes martes). Esta fotografia comprova a sua existência no Distrito de Bragança, próximo a um vale remoto e num local de densa cobertura florestal.

Gráfico 2 - Medianas (barras a cores) e respectivo interquartile range das fotografias de fauna obtidas em cada estação do ano.

Quadro 2 - Número de fotografias diurnas das espécies de mamíferos carnívoros identificados pelas câmaras fotográficas automáticas.

(continuação do post anterior)

Resultados
De acordo com os dados obtidos pela utilização de câmaras fotográficas automáticas a actividade da fauna na área estudada foi mínima durante o Inverno, aumentou de forma incipiente na Primavera, atingiu a sua máxima intensidade durante o Verão e diminuiu progressivamente ao longo Outono (gráfico 2). Esta diferença nos padrões de actividade de acordo com as estações do ano não se revelou contudo estatisticamente significativa (P=0,27).
A detecção de mamíferos carnívoros ocorreu preferencialmente durante a noite. Com efeito todas as fotos de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), Texugo (Meles meles), Gineta (Genetta genetta) e Cão (Canis lupus familiaris) foram obtidas nesse período. Apenas a Raposa (Vulpes vulpes), a Marta (Martes martes) e o Gato-montês (Felis silvestris) foram detectados durante o dia (quadro 2 e fotos em anexo).

(continua no próximo post)