10 setembro 2007

Sabor: o destino inevitável, próprio de um país sem rumo

Vale do Sabor: reduto de vida selvagem desde tempos imemoriais tem o fim anunciado para os próximos meses!

Há opiniões que não devem ser proferidas a quente. Por isso esperei mais de 1 semana para me pronunciar sobre a decisão final de construção de um aproveitamento hidroeléctrico de grande envergadura no Vale do Sabor.
Querem-nos fazer crer que o melhor para o país é a edificação da barragem do Sabor. Querem-nos fazer crer que esta obra pública vai criar mil postos de trabalho que solucionarão os problemas de regressão demográfica do interior transmontano. O Ministro do Ambiente, Francisco Nunes Correia, quer-nos fazer crer que a construção da albufeira irá "trazer algumas consequências negativas que serão mais do que contrabalançadas pelos aspectos positivos" (SIC).
Pois a mim estes senhores não me convencem. Em Portugal a Conservação da Natureza é o parente pobre das prioridades nacionais. Não é algo que surpreenda quando se sabe que são as sociedades mais evoluídas aquelas que dedicam a maior fatia de recursos para a preservação do Meio Ambiente.
Qualquer país do primeiro mundo há muito tempo que já teria declarado o Vale do Sabor não Paisagem Protegida, não Parque Natural, mas sim Parque Nacional! França 7 tem Parques Nacionais, Espanha 14, Portugal apenas 1! O Sabor é dos raríssimos locais do país que reúne as condições necessárias para receber a classificação máxima em termos de protecção do ambiente. Senão vejamos: a maior população de Águia-real (Aquila chrysaetos) em território exclusivamente português, uma das maiores densidades de Águia-de-Bonneli (Hieraaetus fasciatus) a nível mundial, populações estáveis de Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), de Lontra (Lutra lutra) e de Gato-montês (Felis silvestris). E mais: Abrutre-do-egipto (Neophron percnopterus), Cegonha-negra (Ciconia nigra), Grifo (Gyps fulvus) ou Bufo-real (Bubo bubo) todos apresentam neste vale importantes efectivos populacionais. A lista continuaria indefinidamente: os mais extensos e bem conservados azinhais e sobreirais de Trás-os-Montes, um elevado número de endemismos, etc., etc.
Que vão então os portugueses fazer a um dos seus últimos paraísos? Destrui-lo irremediavelmente! Que diz o nosso Ministro do Ambiente, supostamente aquele que deveria colocar os valores naturais à frente dos interesses económicos? Avance-se com a obra... Pois na minha opinião Sr. Ministro não há protocolo de Quioto, não há plano de redução da emissão de gases estufa, que justifique a destruição de 60 quilómetros do mais preservado vale do país quando sabemos que na melhor das expectativas esta barragem só irá produzir 0,6% da energia consumida em Portugal. Democraticamente lhe digo Sr. Ministro que estou cansado da sua subserviência relativamente ao lobby energético. Democraticamente lhe digo Sr. Ministro que lhe falta a coragem necessária para enfrentar interesses instalados em prol do Ambiente que em primeira instância deveria defender...
Termino com uma mensagem para as populações locais: não se iludam com os mil postos de trabalho. Estes serão temporários e a construção da barragem por si só não se traduz em riqueza para os seus afectados. Várias situações de expectativas não cumpridas poderiam ser referidas: Alto Lindoso, Vilarinho das Furnas, Picote, apenas para citar algumas.
Deixo um exemplo do que poderia e deveria ser uma alternativa à albufeira: no Principado das Astúrias (Norte de Espanha) o concelho de Somiedo era uma remota região montanhosa vergada à desertificação... até há 15 anos atrás. Nessa altura a população apoiou a criação de um Parque Natural, foi promovida a protecção do Urso-pardo (Ursus arctos) convertido em emblema dessas serras, surgiram casas de turismo de habitação, restaurantes, lojas de produtos locais, passeios pedestres organizados. Hoje Somiedo está entre os concelhos mais ricos das Astúrias e os ursos aumentaram a sua população. Trata-se de uma riqueza sustentada que perdurará no tempo. Vendem algo que cada vez existe menos: conforto e bem-estar numa paisagem intocada e bravia. Resistiram à tentação das barragens, da energia eólica, das estações de esqui... e ganharam! Poderia o mesmo modelo desenvolvimento ter sido aplicado no Baixo Sabor? Claro que sim... E em vez dos mil postos de trabalho durante o pouco tempo que dura a construção da barragem teríamos umas largas centenas de empregos que perdurariam por décadas... além dum país de que nos poderíamos orgulhar!

8 comentários:

Miguel Grillo disse...

Sem duvida uma triste e quase inacreditável noticia, não fosse estarmos neste triste país. Eis uma real ameaça, uma poderosa afronta à conservação da natureza. Também neste cantinho á beira-mar, por vezes acusa-se a luta-se contra supostas ameaças que na realidade são quase inofensivas e que com algum bom senso e alguma regulamentação seriam totalmente inócuas. Mas esta (barragem no Sabor), esta é uma real ameaça, quase irreversível e com uma dimensão e poder imensos. Contra estas devemos realmente gastar as nossas e pessoais energias e unir esforços e lutar…lutar contra este atentado! Que triste noticia…

Miguel G.

Anónimo disse...

A preservação pela Natureza está de luto... Estas notícias tiram-me as forças... Provavelmente se seguirá a instalação de um parque eólico no Montesinho. E depois , sabe-se lá o que irão fazer , Provavelmente ex tracção de madeira no Parque Nacional.

Anónimo disse...

Sendo supostamente o governo representante das populações, sendo estas mal representadas e estando, como foi dito, um reduto natural em risco, alguma coisa deverá ser feita por todos os que se opõem a esta empreitada. Movimentos civis, manifestações, ocupação do terreno em protesto, sei lá... o que for necessário para contrariar este atentado!

Sophia disse...

De facto, é uma notícia triste... mas neste país não podemos esperar outra coisa... os valores mais elevados são quase sempre esquecidos...
Parabéns pelo blog!

Anónimo disse...

É inacreditável. É isto o que acontece num país onde os mais imbecis, bajuladores e inúteis se dedicam à política, enquanto as pessoas de valor se calam e se preocupam em estudar e trabalhar; Destrói-se o país aos poucos e tomam-se as decisões mais inconcebíveis. Relembro que os governos não duram para sempre e que há bem pouco tempo a campanha popular organizada pôde deter uma outra decisão política bem menos criminosa que esta.

Anónimo disse...

parece que o parque eólico de montesinho não vai avançar... nem tudo parece perdido. fata saber por quanto tempo?

Tat Wam Asi disse...

Já disseste tudo. Muito triste..

Victor Alves disse...

Concordo plenamente contigo, sou transmontano e vejo o nosso património natural desaparecer de dia para dia, quando na sociedade portuguesa predominar uma mentalidade perseverante nas questões ambientais já será tarde de mais. Penso que deveria de existir uma disciplina nas escolas até ao 12º (pois a adolescencia é um periodo crítico na formação da personalidade)que tivesse uma forte componente de materias na área da conservação da natureza e desenvolvimento sustentado, de forma a acelerar essa mudança de mentalidades e assim ter não uma minoria, mas antes uma maioria a defender as questões ambientais, as quais são do interesse de todos os seres do nosso planeta.